sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Porque o pobre é a medida da nossa intervenção

Acaba hoje 2010, o Ano Europeu o Combate à Pobreza e à Exclusão Social. Do ponto de vista que realmente interessa, o combate à pobreza, o Ano Europeu foi um fracasso. Aumentaram os pobres na Europa e em Portugal. Estima-se que há mais 400 mil pobres em Portugal desde que a "crise" começou.
Mas o Ano europeu também teve méritos. Ajudou sobretudo a criar uma consciência para a pobreza e para o pobre. Aquilo que tem sido uma luta quase marginal, de IPSS, de gente de boa vontade, de pessoas humanitárias, irrompeu pelos corredores do poder político e dos mass media.

Infelizmente, assistiu-se também, sobretudo na parte final deste ano e na aproximação ao Natal, a uma "assistencialização" da luta contra pobreza (a que julgámos não ser possível voltar) e ao poder político aos diversos níveis tornar-se ele próprio promotor da "caridadezinha", recusando à evidência assumir aquilo que é a sua competência própria: agir em favor de um desempobrecimento estrutural da sociedade. Também no combate à pobreza "cada macaco deve estar no seu galho": quem tem por missão fazer mudanças estruturais que as faça; quem tem missão assistencial, que assista; quem tem missão de prestar serviços sociais, que os concretize. Se cada um fizer aquilo que lhe compete, o combate tem mais probabilidade de sair vitorioso.

Da parte do Projecto "Verde Pino" ultrapassámos todas as metas que nos propusemos, em termos de acções: encontros e wokshops bem participados, ateliers criativos, publicações úteis, divulgação escrita, fotográfica e digital de qualidade.

Mas, em termos de sensibilização, continua a ficar um grande caminho para percorrer. Sobretudo os workshops trouxeram ao de cima a persistência arreigada de uma mentalidade que julgávamos muito mais esbatida: a culpabilização dos pobres pela sua própria pobreza.
Enquanto for esta a mentalidade comum no inconsciente cultural colectivo português, o nosso trabalho continua em aberto, numa gigantesca tarefa a desenvolver - dizendo-o sem meias palavras - de educação das consciências, das atitudes e dos comportamentos. Porque o pobre é a medida de toda a intervenção da Cáritas.

Obrigado a todos os parceiros e a todos os amigos que connosco viveram e promoveram o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social, ajudando o Projecto a cumprir os seus objectivos. Continuamos a contar convosco nesta luta contra a pobreza, em todas e quaisquer das suas formas, porque na luta contra a pobreza o que está em causa, em última instância, é o respeito pela dignidade da pessoa humana e a promoção do bem comum de toda a sociedade.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Sebenta Pobreza e Desempobrecimento

Já saiu a Sebenta "Pobreza e Desempobrecimento", a acção nº 10 dos Projectos Verde Pino, Cidadania Inclusiva, e PorMorCausa.
A Sebenta tem uma parte teórica sobre a pobreza, uma parte metodológica, alguns testemunhos de pessoas pobres e de pessoas que reflectem sobre a pobreza e uma parte final sobre as respostas que o Instituto de Segurança Social gere neste âmbito.
Trata-se de um trabalho feito mais em termos de consulta , fornecendo também materiais de trabalho para grupos de voluntariado local, escolas, catequeses, agentes de IPSS...
O capítulo mais desenvolvido, partindo da matriz própria da Cáritas - a caridade -, procura aprofundar uma perspectiva metodológica de intervenção junto da pobreza ao nível micro, com fundamentação na parábola bíblica do Bom samaritano.
A Sebenta está agora a ser distribuída aos nossos parceiros, às pessoas e organismos que colaboraram para a sua realização e a diversos interventores locais que participaram com a Cáritas mais activamente nos Projectos da Instituição neste Ano Europeu.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Erros do PIB

"Quando o navio petroleiro Exxon Valdez naufragou nas costas do Alasca, foi necessário contratar inúmeras empresas para limpar as costas, o que elevou fortemente o PIB da região. Como pode a destruição ambiental aumentar o PIB? Simplesmente porque o PIB calcula o volume de actividades económicas, e não se são úteis ou nocivas. O PIB mede o fluxo dos meios, não o alcance dos fins.
(...) A diferença entre os meios e os fins na contabilidade aparece claramente nas opções de saúde. A Pastoral da Criança, por exemplo, desenvolve um amplo programa de saúde preventiva, atingindo milhões de crianças até 6 anos de idade através de uma rede de cerca de 450 mil voluntárias. São responsáveis, nas regiões onde trabalham, por 50% da redução da mortalidade infantil, e 80% da redução das hospitalizações. Com isto, menos crianças ficam doentes, o que significa que se consome menos medicamentos, que se usa menos serviços hospitalares, e que as famílias vivem mais felizes. Mas o resultado do ponto de vista das contas económicas é completamente diferente: ao cair o consumo de medicamentos, o uso de ambulâncias, de hospitais e de horas de médicos, reduz-se também o PIB. Mas o objectivo é aumentar o PIB ou melhorar a saúde (e o bem-estar) das famílias?"
(L. Dowbor, cit. por Joana Rigato na XXVI Semana Nacional de Pastoral Social)

Decrescimento sutentável - com humor

Texto de Maurizio Pallante, cit. por Joana Rigato na XXVI Semana Nacional de Pastoral Social:

Uma economia que não cresce é considerada como um peixe que não nada. Uma contradição nos termos. (...) Mas em que é que consiste este crescimento? (...)
Se vais daqui até ali de automóvel e não encontras trânsito na estrada consomes uma certa quantidade de combustível. Mas se ficares preso numa fila quilométrica, consomes muito mais. Portanto, fazes crescer muito mais o produto interno bruto. Portanto, estás melhor. E então porque é que te zangas? Pensa antes que me farás estar melhor também a mim, que nem conheces, tal como a 57 milhões e tal de italianos (10 milhões de portugueses). Ao pensar na tua generosidade até me comovo (...) ao longo desde caminho de terra na montanha onde não faço crescer o pro¬duto interno bruto porque não consumo nada - a não ser um bocado da sola das minhas botas. Mas comprei-as há 10 anos e ainda estão boas. Claro que ao longo destes 10 anos fizeram-se novos modelos de botas, mudaram-lhes as cores, passaram as tiras de velcro um bocadinho mais para cima, depois um bocadinho mais para baixo, depois um bocadinho mais para o lado, depois fizeram-nas mais apertadas, depois mais largas, mas este ano, vi-as ontem na montra, estão novamente iguais às tiras das minhas botas. E meteram-nas no mesmo sítio. Até a cor é igual. Parece que acabei de as comprar.
Estou quase a chegar ao cimo da serra. Vou andando devagar, com passadas regulares. Para não me lamentar da minha desgraça e não me sentir demasiado em culpa para contigo, não te vou dizer nada acerca da paisagem e do ar que respiro. Tanto a paisagem como o ar são de graça, e nem ao olhar nem ao cheirar eu consumo alguma coisa. Nem posso imaginar o quanto tu estarás contente ao consumir gasolina, travões, embraiagem e pneus, metido no meio das chapas de aço e do escape dos carros! E como me estás a fazer feliz a mim! Só te falta acender um cigarro e beber um golo de Coca-cola para atingir - e me fazeres atingir - um nível de felicidade ainda maior. Eu, pelo contrário, estou só a encher o meu cantil com a água de uma fonte. Não custa dinheiro. Depois vou comer alguns tomates que cultivei na horta, que também não custaram dinheiro algum, e umas fatias de pão que fiz em casa com farinha de trigo cultivado de forma biológica. Farinha de trigo que eu compro directamente do produtor, saltando os intermediários. Comprando a farinha também eu faço crescer o produto interno bruto, mas menos do que se a comprasse no supermercado, com um belo de um certificado que serviria só para a encarecer. E menos ainda do que se comprasse o pão já feito. Não consigo libertar-me deste egoísmo, deste desejo de infelicidade que parece que se cola à minha pele como o asfalto a escaldar à sola dos teus sapatos. Acabaste de os comprar e já vais ter de comprar outros. Vê só a tua sorte! As oportunidades para fazer o bem caem-te do céu!...

Feliz Natal

A "Virgem da Pedreira", tábua de Andrea Mantegna, apresenta o seu menino ao mundo e defende-o simultaneamente dele, do pesado mundo de trabalhos que decorrem por detrás dela. Aspereza, trabalho, serenidade, protecção, oferta...
Quantas imagens ocorrem?!
Feliz Natal. Bom Ano Novo.


segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Inclusão de pessoas com deficiência

Mesmo sendo um filme condicionado pela realidade brasileira, vale a pena ver.

E Jesus... nasceu POBRE também!

Ok. Em tempo de Natal, porque não incorporar um filme de Natal tão actual?! Até porque, segundo a mais segura tradição, Jesus nasceu pobre também!


quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O grilo e a moeda

Em tempo de tanto ruído de "natal", onde até a solidariedade para com os mais pobres corre o risco de ser convertida num "consumível", vale a pena estarmos atentos à afinação da nossa sensibilidade...
Esta é uma estória que nos alerta para isso.



Um sábio indiano tinha um amigo íntimo que vivia na grande cidade de Barcelona. Tinham-se conhecido na Índia, onde o espanhol tinha ido com a sua família num cruzeiro turístico. O indiano tinha feito de guia aos passageiros espanhóis, levando-os a visitar os lugares mais típicos do seu país.
Agradecido, o amigo espanhol tinha convidado o indiano para sua casa. Queria corresponder ao favor, mostrando-lhe também a sua cidade. O sábio indiano foi-se escusando, mas por fim cedeu à insistência do seu amigo, e um belo dia tomou o avião e aterrou no aeroporto de Barcelona.
No dia seguinte, o espanhol e o indiano estavam juntos a passear pelo centro da cidade. O indiano, com a sua cara escura cor de chocolate, com barba negra e turbante amarelo, atraía os olhares das pessoas. E o espanhol caminhava orgulhoso de ter um amigo tão exótico.
De repente, numa das avenidas mais movi-mentadas, o indiano parou e disse:
- Ops!, estás a ouvir o que eu estou a ouvir?
O espanhol, um pouco surpreendido, aguçou o ouvido quanto pode, mas confessou que não ouvia mais que o ruído do trânsito e das pessoas que passavam.
- Pois aqui próximo está um grilo a cantar, disse o indiano seguro de si mesmo.
- Enganaste-te, de certeza -, respondeu o espanhol. - Eu só oiço o motor dos carros e o barulho da cidade. E além disso, o que estava um grilo aqui a fazer?
- Tenho a certeza. Oiço um grilo a cantar -, respondeu o indiano e, sem pensar duas vezes, pôs-se a procurar entre as folhas de uns arbustos e ervas que ali havia.
Pouco depois apontava para um magnífico grilo cantador, que se escondia entre as folhas, aborrecido com quem lhe vinha estragar o concerto!
- Vês como era um grilo? -, disse o indiano.
- Tens razão -, admitiu o espanhol. -Vós, os indianos, tendes um ouvido muito mais apurado que nós, os europeus...
- Enganas-te -, respondeu-lhe o indiano sorrindo. Repara bem... E o indiano tirou do seu bolso uma pequena moeda e, como que por descuido, deixou-a cair na calçada.
Logo quatro ou cinco pessoas viraram a cabeça!
- Viste? -, continuou o indiano. - A moeda ao cair fez um barulho muito mais curto e muito mais fraco que o canto do grilo. E reparaste como os europeus o ouviram?

(Bruno Ferrero, El canto del grillo)