segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O Consumismo em Diferentes Culturas

Para entender o que é consumismo, é necessário primeiro entender o que é cultura.
Cultura não são simplesmente as artes, ou valores, ou sistemas de crença. Não é uma instituição distinta funcionando ao lado de sistemas económicos ou políticos. Ao contrário, são todos esses elementos – valores, crenças, costumes, tradições, símbolos, normas e instituições – combinados para criar as matrizes abrangentes que forjam o modo como os homens percebem a realidade. Em função de existirem sistemas culturais distintos, uma pessoa pode interpretar um acto como insultante e outra pode considerá-lo amável – como por exemplo, fazer um sinal com o “polegar para cima” é um gesto extremamente vulgar em certas culturas. A cultura leva algumas pessoas a crer que os papéis sociais são designados pelo nascimento, determina onde os olhos da pessoa devem focar ao conversar com outra, e até mesmo dita que formas de relacionamentos sexuais (como monogamia, poliandria, ou poligamia) são aceitáveis.
As culturas, como sistemas mais amplos, são provenientes de interacções complexas entre muitos elementos diferentes de comportamentos sociais e guiam os homens em um nível quase invisível. Elas são, nas palavras dos antropólogos Robert Welsch e Luis Vivanco, a soma de todos os “processos sociais que fazem com que aquilo que é artificial (ou construído pelos homens) pareça natural”. São esses processos sociais – a interacção directa com outras pessoas e com artefactos ou “coisas” culturais, a exposição nos mass media, leis, religiões e sistemas económicos – que constroem as realidades dos povos. A maioria daquilo que dá a impressão de ser “natural” para as pessoas é, na realidade, cultural. Considere hábitos alimentares, por exemplo. Todos os seres humanos comem, mas o que, como e mesmo quando eles comem é determinado por sistemas culturais. Poucos europeus comeriam insectos porque essas criaturas lhes são intrinsecamente repugnantes devido ao condicionamento cultural, embora muitos deles comam camarão ou caracol. E, no entanto, em outras culturas insectos são uma parte importante da culinária e, em alguns casos, como a larva de sago para o povo Korowai da Nova Guiné, são iguarias. Em última instância, embora o comportamento humano esteja enraizado na evolução e fisiologia, ele é guiado primordialmente pelos sistemas culturais em que as pessoas nascem. Tal como ocorre com todos os sistemas, há paradigmas dominantes que guiam as culturas – ideias e pressupostos em comum que, através das gerações, são construídos e reforçados pelos principais agentes e instituições culturais e pelos próprios participantes das culturas. Hoje, o paradigma cultural dominante em muitas partes do mundo e que atravessa muitas culturas é o consumismo. O economista britânico Paul Ekins descreve o consumismo como uma orientação cultural em que “a posse e uso de um número e de uma variedade crescente de bens e serviços são a principal aspiração cultural e o caminho tido como de maior certeza rumo à felicidade pessoal, status social e sucesso nacional”. Simplificando: o consumismo é um padrão cultural que faz com que as pessoas encontrem significado, satisfação e reconhecimento principalmente através do consumo de bens e serviços. Embora isso assuma formas diversas em diferentes culturas, o consumismo leva as pessoas de qualquer lugar a associar níveis elevados de consumo a bem-estar e sucesso. Ironicamente, no entanto, a pesquisa mostra que consumir mais não significa necessariamente uma melhor qualidade de vida individual. O consumismo está hoje infiltrado de modo tão absoluto nas culturas humanas que, por vezes, fica até difícil reconhecê-lo como uma construção cultural. Ele dá a impressão de ser simplesmente natural. Mas, de fato, os elementos culturais – linguagem e símbolos, normas e tradições, valores e instituições – foram profundamente transformados pelo consumismo em sociedades do mundo todo. De facto, “consumidor” hoje em dia é com frequência usado como sinónimo de pessoa nos 10 idiomas mais usados no mundo, e seria plausível pensar em um número bem maior. Considere os símbolos – aquilo que a antropóloga Leslie White descreveu como “a origem e base do comportamento humano”. Hoje, na maioria dos países, as pessoas estão expostas a centenas, talvez milhares, de símbolos todos os dias. Logótipos, jingles, slogans, porta-vozes, mascotes – todos esses símbolos de marcas diferentes bombardeiam as pessoas rotineiramente, influenciando o comportamento até em níveis inconscientes. Hoje, esses símbolos de consumo são reconhecidos com maior facilidade do que espécies de animais selvagens comuns, canto de pássaros, sons emitidos pelos animais, ou outros elementos da natureza. Um estudo de 2002 constatou que crianças britânicas conseguiam identificar mais personagens de Pokémon (uma marca de brinquedo) do que espécies de animais selvagens. E os logótipos são reconhecidos por crianças de apenas dois anos de idade. Uma pesquisa com crianças de dois anos concluiu que, embora não fossem capazes de distinguir a letra M, muitas conseguiam identificar os arcos dourados que moldam o M do McDonald’s. As normas culturais – como as pessoas usam o tempo de lazer, a frequência com que actualizam o guarda-roupa e mesmo a forma de educar os filhos – estão hoje cada vez mais voltadas à compra de bens e serviços. Uma norma de particular interesse são os hábitos alimentares. Ao que parece, agora é natural ingerir alimentos superadoçados e altamente industrializados. Desde muito cedo, as crianças são expostas a bolos, cereais açucarados e outros alimentos não saudáveis, mas altamente lucrativos e veiculados por publicidade ostensiva – uma mudança que vem tendo um impacto tremendo sobre as taxas mundiais de obesidade. Hoje, vendedores ambulantes de fast food e máquinas que vendem refrigerante podem ser encontrados em escolas, forjando as normas alimentares das crianças desde bem pequenas e, sucessivamente, reforçando e perpetuando essas normas em todas as sociedades. De acordo com um estudo feito pelos Centros para Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, perto de dois terços das áreas administrativas contendo escolas públicas nos EUA recebem uma percentagem da receita das máquinas de venda automática, e um terço recebe recompensas de empresas de refrigerantes quando uma determinada quantidade de seu produto é vendida. As tradições – o aspecto mais ritualístico e mais profundamente enraizado das culturas – são hoje também forjadas pelo consumismo. De cerimónias de casamento que custam em média US$ 22.000 nos Estados Unidos a normas para funerais que pressionam aqueles que choram os entes queridos a comprar caixões e lápides elaborados, além de outros itens simbólicos caros, o consumismo está profundamente entranhado no modo como as pessoas observam os rituais. Optar por uma celebração de ritual simples pode ser uma escolha difícil de fazer, seja por causa de regras, pressão familiar, ou por influência da publicidade. O Natal demonstra bem esse ponto. Enquanto para os cristãos esse dia marca o nascimento de Jesus, para muita gente o feriado é dedicado ao Pai Natal, a ganhar presentes e banquetes. Uma pesquisa realizada em 2008 referente a gastos no Natal em 18 países constatou que se gastaram centenas de dólares/pessoa em presentes, e outro tanto em eventos sociais e comida. Na Irlanda, no Reino Unido e nos Estados Unidos – os três com maior gasto – as pessoas despenderam em média US$ 942, US$ 721 e US$ 581 em presentes, respectivamente. Um número cada vez maior de não cristãos comemora o Natal como uma ocasião para troca de presentes. No Japão, o Natal é um feriado importante, embora apenas 2% da população seja cristã. Como observado em tom espirituoso pelo reverendo Billy, da Igreja Pare de Comprar, em um chamado para educar o consumidor: “Acreditamos ser consumidores na época do Natal. Não! Estamos sendo consumidos na época do Natal”. O consumismo também está afectando os valores das pessoas. A crença de que mais riqueza e mais posses materiais são essenciais para se chegar a uma vida boa aumentou de modo surpreendente em muitos países nas últimas décadas. Uma pesquisa anual com alunos de primeiro ano de faculdades nos Estados Unidos investigou durante mais de 35 anos as prioridades de vida dos alunos. No transcorrer desse tempo, a importância atribuída a ter boa situação financeira aumentou, enquanto a importância atribuída à construção de uma filosofia de vida plena de sentido diminuiu. E este não é um fenómeno apenas americano. Um estudo conduzido pelos psicólogos Güliz Ger e Russell Belk constatou níveis altos de materialismo em dois terços dos 12 países pesquisados, inclusive em diversas economias em transição.
Embora hoje encontremos consumismo em praticamente todas as culturas, esse fenómeno não está isento de consequências. Neste planeta finito, definir sucesso e felicidade através de quanto uma pessoa consome não é sustentável. Além disso, está mais do que claro que essa orientação cultural não apareceu simplesmente por acaso, como um subproduto do crescimento da renda; ela foi engendrada ao longo de muitos séculos. Actualmente, como o consumismo foi internalizado por muitas sociedades, ele está de alguma maneira se auto perpetuando, embora algumas instituições da sociedade – incluindo empresas, media, governos e estabelecimentos educacionais – continuem a sustentar essa orientação cultural. Essas instituições estão também a trabalhar activamente para expandir mercados mundiais para novos bens e serviços de consumo. Entender o papel desses estímulos institucionais será essencial para que se cultivem novas culturas de sustentabilidade.

Erik Assadourian, in Relatório do Estado do Mundo 2010

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