quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Explicar a pobreza

AS duas grandes leituras sociológicas da pobreza descritas por A. Giddens

"As explicações da pobreza podem ser agrupadas em duas categorias principais: as teorias que consideram os indivíduos pobres responsáveis pela sua própria pobreza, e as teorias que consideram a pobreza como produzida e reproduzida pelas forças estruturais da sociedade. Estas abordagens opostas são, por vezes, descritas como teoria da “culpabilização da vítima” e teoria da “culpabilização do sistema”, respectivamente. Iremos examinar brevemente cada uma das mesmas.

Existe uma longa história de atitudes que responsabilizam os pobres pela sua posição desprivilegiada. Os esforços iniciais para atender aos efeitos da pobreza, como as Casas dos Pobres do século XIX, estavam enraizados na crença de que a pobreza era o resultado de um desajustamento ou patologia dos indivíduos. Os pobres eram vistos como os incapazes – devido à falta de talento, à fraqueza física ou moral, à ausência de motivação, ou a capacidades abaixo da média – de vencer na sociedade. A posição social era tida como um reflexo do esforço ou talento da pes-soa: os que mereciam ser bem sucedidos, eram-no, enquanto os menos capazes estavam condenados a falhar. A existência de “vencedores” e de “vencidos” era vista como um facto da vida.
Tal concepção ressurgiu, a partir dos anos 70 e 80, à medida que a ênfase política colocada na actividade empresarial e a ambição individual recompensou aqueles que “obtiveram sucesso” na sociedade e responsabilizou aqueles que o não fizeram pelas circunstâncias em que se encontravam. Procuraram-se frequentemente explicações para a pobreza nos estilos de vida dos pobres, bem como nas atitudes e concepções que supostamente teriam adoptado. Oscar Lewis (1961) lançou uma das mais influentes destas teorias, argumentando que existe uma cultura da pobreza entre muitas pessoas pobres. De acordo com Lewis, a pobreza não é o resultado de inadequações individuais, mas de uma atmosfera social e cultural mais lata na qual as crianças pobres são socializadas. A cultura da pobreza é transmitida entre gerações porque os jovens desde cedo não vêem razão para aspirar a algo mais. Em vez disso, resignam-se finalisticamente a uma vida de empobrecimento.

A tese da cultura da pobreza teve um novo desenvolvimento pelo sociólogo americano Charles Murray. Os indivíduos que são pobres “sem culpa própria” – viúvos, órfãos ou incapacitados – fazem parte de uma categoria diferente daqueles que pertencem à cultura da dependência. Com este termo, Murray refere-se às pessoas pobres que dependem das provisões da segurança social em vez de entrarem no mercado de trabalho. Argumenta que o crescimento do estado-providência criou uma subcultura que mina a ambição pessoal e a capacidade de auto-ajuda. Em vez de se orientarem para o futuro e lutarem por uma vida melhor, os dependentes da segurança social contentam-se em aceitar as ajudas. O estado-providência, argumenta, corroeu o estímulo das pessoas para trabalharem (1984).

Teorias como estas parecem ecoar entre a população britânica. Os inquéritos mostram que a maioria dos britânicos consideram os pobres como responsáveis pela sua própria pobreza e desconfiam daqueles que vivem “à borla” das “ajudas do governo”. Muitos acreditam que as pessoas dependentes da segurança social poderiam encontrar trabalho se estivessem determinadas a fazê-lo. Porém, estas perspectivas não correspondem à realidade da pobreza. Cerca de um quarto daqueles que vivem na pobreza na Grã-Bretanha encontram-se a trabalhar, mas ganham muito pouco para conseguirem sair dos limites da pobreza. Dos restantes, a maioria são crianças com menos de 14 anos, adultos com 65 ou mais anos e os doentes ou incapacitados. Apesar da visão popular acerca dos níveis elevados de embustes à segurança social, menos de 1% das candidaturas envolvem pedidos fraudulentos – número muito menor do que no caso das declarações do imposto sobre o rendi-mento, onde se estima que mais de 10% dos impostos são perdidos devido à evasão ou falsas declarações.

A segunda abordagem para explicar a pobreza coloca a ênfase nos grandes processos sociais que produzem condições de pobreza difíceis de superar pelos indivíduos. De acordo com esta perspectiva, as forças estruturais de uma sociedade – factores como a classe, o género, a etnia, a posição ocupacional, a escolaridade e outros – moldam a forma como os recursos são distribuídos. Os investigadores que advogam explicações estruturais para a pobreza argumentam que a falta de ambição entre os pobres muitas vezes tomada como “cultura da dependência” é, de facto, uma consequência das suas situações condicionadas e não uma causa das mesmas. Defendem que a redução da pobreza não consiste apenas numa questão de mudança das concepções individuais, mas requer medidas políticas destinadas a distribuir de forma mais uniforme os rendimentos e os recursos pela sociedade. Abonos de família, um salário mínimo e níveis mínimos de rendimentos garantidos para as famílias são exemplos de medidas políticas que procuraram emendar as desigualdades sociais persistentes."


(A. Giddens, Sociologia)

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