sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
Porque o pobre é a medida da nossa intervenção
Mas o Ano europeu também teve méritos. Ajudou sobretudo a criar uma consciência para a pobreza e para o pobre. Aquilo que tem sido uma luta quase marginal, de IPSS, de gente de boa vontade, de pessoas humanitárias, irrompeu pelos corredores do poder político e dos mass media.
Infelizmente, assistiu-se também, sobretudo na parte final deste ano e na aproximação ao Natal, a uma "assistencialização" da luta contra pobreza (a que julgámos não ser possível voltar) e ao poder político aos diversos níveis tornar-se ele próprio promotor da "caridadezinha", recusando à evidência assumir aquilo que é a sua competência própria: agir em favor de um desempobrecimento estrutural da sociedade. Também no combate à pobreza "cada macaco deve estar no seu galho": quem tem por missão fazer mudanças estruturais que as faça; quem tem missão assistencial, que assista; quem tem missão de prestar serviços sociais, que os concretize. Se cada um fizer aquilo que lhe compete, o combate tem mais probabilidade de sair vitorioso.
Da parte do Projecto "Verde Pino" ultrapassámos todas as metas que nos propusemos, em termos de acções: encontros e wokshops bem participados, ateliers criativos, publicações úteis, divulgação escrita, fotográfica e digital de qualidade.
Mas, em termos de sensibilização, continua a ficar um grande caminho para percorrer. Sobretudo os workshops trouxeram ao de cima a persistência arreigada de uma mentalidade que julgávamos muito mais esbatida: a culpabilização dos pobres pela sua própria pobreza.
Enquanto for esta a mentalidade comum no inconsciente cultural colectivo português, o nosso trabalho continua em aberto, numa gigantesca tarefa a desenvolver - dizendo-o sem meias palavras - de educação das consciências, das atitudes e dos comportamentos. Porque o pobre é a medida de toda a intervenção da Cáritas.
Obrigado a todos os parceiros e a todos os amigos que connosco viveram e promoveram o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social, ajudando o Projecto a cumprir os seus objectivos. Continuamos a contar convosco nesta luta contra a pobreza, em todas e quaisquer das suas formas, porque na luta contra a pobreza o que está em causa, em última instância, é o respeito pela dignidade da pessoa humana e a promoção do bem comum de toda a sociedade.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Sebenta Pobreza e Desempobrecimento
A Sebenta tem uma parte teórica sobre a pobreza, uma parte metodológica, alguns testemunhos de pessoas pobres e de pessoas que reflectem sobre a pobreza e uma parte final sobre as respostas que o Instituto de Segurança Social gere neste âmbito.
Trata-se de um trabalho feito mais em termos de consulta , fornecendo também materiais de trabalho para grupos de voluntariado local, escolas, catequeses, agentes de IPSS...
O capítulo mais desenvolvido, partindo da matriz própria da Cáritas - a caridade -, procura aprofundar uma perspectiva metodológica de intervenção junto da pobreza ao nível micro, com fundamentação na parábola bíblica do Bom samaritano.
A Sebenta está agora a ser distribuída aos nossos parceiros, às pessoas e organismos que colaboraram para a sua realização e a diversos interventores locais que participaram com a Cáritas mais activamente nos Projectos da Instituição neste Ano Europeu.
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Erros do PIB
(...) A diferença entre os meios e os fins na contabilidade aparece claramente nas opções de saúde. A Pastoral da Criança, por exemplo, desenvolve um amplo programa de saúde preventiva, atingindo milhões de crianças até 6 anos de idade através de uma rede de cerca de 450 mil voluntárias. São responsáveis, nas regiões onde trabalham, por 50% da redução da mortalidade infantil, e 80% da redução das hospitalizações. Com isto, menos crianças ficam doentes, o que significa que se consome menos medicamentos, que se usa menos serviços hospitalares, e que as famílias vivem mais felizes. Mas o resultado do ponto de vista das contas económicas é completamente diferente: ao cair o consumo de medicamentos, o uso de ambulâncias, de hospitais e de horas de médicos, reduz-se também o PIB. Mas o objectivo é aumentar o PIB ou melhorar a saúde (e o bem-estar) das famílias?"
(L. Dowbor, cit. por Joana Rigato na XXVI Semana Nacional de Pastoral Social)
Decrescimento sutentável - com humor
Uma economia que não cresce é considerada como um peixe que não nada. Uma contradição nos termos. (...) Mas em que é que consiste este crescimento? (...)
Se vais daqui até ali de automóvel e não encontras trânsito na estrada consomes uma certa quantidade de combustível. Mas se ficares preso numa fila quilométrica, consomes muito mais. Portanto, fazes crescer muito mais o produto interno bruto. Portanto, estás melhor. E então porque é que te zangas? Pensa antes que me farás estar melhor também a mim, que nem conheces, tal como a 57 milhões e tal de italianos (10 milhões de portugueses). Ao pensar na tua generosidade até me comovo (...) ao longo desde caminho de terra na montanha onde não faço crescer o pro¬duto interno bruto porque não consumo nada - a não ser um bocado da sola das minhas botas. Mas comprei-as há 10 anos e ainda estão boas. Claro que ao longo destes 10 anos fizeram-se novos modelos de botas, mudaram-lhes as cores, passaram as tiras de velcro um bocadinho mais para cima, depois um bocadinho mais para baixo, depois um bocadinho mais para o lado, depois fizeram-nas mais apertadas, depois mais largas, mas este ano, vi-as ontem na montra, estão novamente iguais às tiras das minhas botas. E meteram-nas no mesmo sítio. Até a cor é igual. Parece que acabei de as comprar.
Estou quase a chegar ao cimo da serra. Vou andando devagar, com passadas regulares. Para não me lamentar da minha desgraça e não me sentir demasiado em culpa para contigo, não te vou dizer nada acerca da paisagem e do ar que respiro. Tanto a paisagem como o ar são de graça, e nem ao olhar nem ao cheirar eu consumo alguma coisa. Nem posso imaginar o quanto tu estarás contente ao consumir gasolina, travões, embraiagem e pneus, metido no meio das chapas de aço e do escape dos carros! E como me estás a fazer feliz a mim! Só te falta acender um cigarro e beber um golo de Coca-cola para atingir - e me fazeres atingir - um nível de felicidade ainda maior. Eu, pelo contrário, estou só a encher o meu cantil com a água de uma fonte. Não custa dinheiro. Depois vou comer alguns tomates que cultivei na horta, que também não custaram dinheiro algum, e umas fatias de pão que fiz em casa com farinha de trigo cultivado de forma biológica. Farinha de trigo que eu compro directamente do produtor, saltando os intermediários. Comprando a farinha também eu faço crescer o produto interno bruto, mas menos do que se a comprasse no supermercado, com um belo de um certificado que serviria só para a encarecer. E menos ainda do que se comprasse o pão já feito. Não consigo libertar-me deste egoísmo, deste desejo de infelicidade que parece que se cola à minha pele como o asfalto a escaldar à sola dos teus sapatos. Acabaste de os comprar e já vais ter de comprar outros. Vê só a tua sorte! As oportunidades para fazer o bem caem-te do céu!...
Feliz Natal
Quantas imagens ocorrem?!
Feliz Natal. Bom Ano Novo.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Inclusão de pessoas com deficiência
E Jesus... nasceu POBRE também!
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
sábado, 4 de dezembro de 2010
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
O grilo e a moeda
Esta é uma estória que nos alerta para isso.
Um sábio indiano tinha um amigo íntimo que vivia na grande cidade de Barcelona. Tinham-se conhecido na Índia, onde o espanhol tinha ido com a sua família num cruzeiro turístico. O indiano tinha feito de guia aos passageiros espanhóis, levando-os a visitar os lugares mais típicos do seu país.
Agradecido, o amigo espanhol tinha convidado o indiano para sua casa. Queria corresponder ao favor, mostrando-lhe também a sua cidade. O sábio indiano foi-se escusando, mas por fim cedeu à insistência do seu amigo, e um belo dia tomou o avião e aterrou no aeroporto de Barcelona.
No dia seguinte, o espanhol e o indiano estavam juntos a passear pelo centro da cidade. O indiano, com a sua cara escura cor de chocolate, com barba negra e turbante amarelo, atraía os olhares das pessoas. E o espanhol caminhava orgulhoso de ter um amigo tão exótico.
De repente, numa das avenidas mais movi-mentadas, o indiano parou e disse:
- Ops!, estás a ouvir o que eu estou a ouvir?
O espanhol, um pouco surpreendido, aguçou o ouvido quanto pode, mas confessou que não ouvia mais que o ruído do trânsito e das pessoas que passavam.
- Pois aqui próximo está um grilo a cantar, disse o indiano seguro de si mesmo.
- Enganaste-te, de certeza -, respondeu o espanhol. - Eu só oiço o motor dos carros e o barulho da cidade. E além disso, o que estava um grilo aqui a fazer?
- Tenho a certeza. Oiço um grilo a cantar -, respondeu o indiano e, sem pensar duas vezes, pôs-se a procurar entre as folhas de uns arbustos e ervas que ali havia.
Pouco depois apontava para um magnífico grilo cantador, que se escondia entre as folhas, aborrecido com quem lhe vinha estragar o concerto!
- Vês como era um grilo? -, disse o indiano.
- Tens razão -, admitiu o espanhol. -Vós, os indianos, tendes um ouvido muito mais apurado que nós, os europeus...
- Enganas-te -, respondeu-lhe o indiano sorrindo. Repara bem... E o indiano tirou do seu bolso uma pequena moeda e, como que por descuido, deixou-a cair na calçada.
Logo quatro ou cinco pessoas viraram a cabeça!
- Viste? -, continuou o indiano. - A moeda ao cair fez um barulho muito mais curto e muito mais fraco que o canto do grilo. E reparaste como os europeus o ouviram?
(Bruno Ferrero, El canto del grillo)
domingo, 28 de novembro de 2010
O workshop do Seixo da Beira
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
O anticiganismo promotor de exclusão social...
CONCLUSÕES
O anticiganismo promotor de exclusão social da qual são exemplos o Bairro das Pedreiras e outros semelhantes no país, deve ser substituído pela escuta dos anseios do povo cigano para a sua inclusão social e eclesial. Neste sentido, o empenho de todos, a trabalhar em rede, é decisivo na luta contra a discriminação, designadamente na habitação e no emprego e na promoção da escolarização. O cuidado espiritual e o apoio social que a Igreja e a sociedade prestam aos ciganos devem influir na opinião pública através da comunicação social. Os verdadeiros protagonistas da integração social e cultural dos ciganos são eles próprios. Os valores culturais dos ciganos devem ter expressão na presença evangelizadora da Igreja entre eles. O trabalho dos mediadores ciganos deve ser ampliado a todos os campos da sociedade e aos serviços prestados pela Igreja.
Promovido pela Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos (ONPC) em parceria com o Secretariado Diocesano da Mobilidade Humana e Caritas de Beja, presidido por D. António Vitalino Fernandes Dantas, Bispo de Beja e Presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana, com a presença do Presidente da Câmara Municipal de Beja, Dr. Jorge Pulido Valente, na Sessão de Abertura, realizou-se, de 19 a 21 de Novembro de 2010, o 37º Encontro Nacional da Pastoral dos Ciganos, no Centro Pastoral do Seminário Diocesano de Beja. O Encontro contou com a presença de cerca de 50 participantes das Dioceses de Aveiro, Viana do Castelo, Porto, Portalegre-Castelo Branco, Lisboa, Setúbal e Beja, assim como dos membros da direcção nacional da ONPC, técnicos da Caritas de Beja, alguns ciganos e esteve aberto à participação da comunidade e de outras pessoas interessadas.
Da temática tratada, da riqueza de partilha entre os participantes e do contacto com a realidade cigana do Bairro das Pedreiras de Beja, os participantes chegaram às seguintes conclusões:
1 – Apesar das resoluções e recomendações existentes no país, com vista a proteger os direitos fundamentais dos ciganos, e das diversas iniciativas com vista à sua inclusão social, assim como das orientações da doutrina da Igreja nesse sentido, muitos são ainda objecto de actos de anticiganismo, discriminação racial e xenofobia, que criam obstáculos a uma integração e aceitação na sociedade e na Igreja.
2 – É necessário promover uma abertura à escuta dos anseios e desejos do povo cigano, a fim de que as soluções para a sua inclusão social e eclesial sejam soluções integradoras, que não piorem a situação de exclusão e marginalização em que se encontram, de que é exemplo o realojamento do Bairro das Pedreiras em Beja e outras situações semelhantes no país.
3 – No contexto do “Ano Europeu de luta contra a pobreza e a exclusão social”, constata-se que uma mudança é possível. A pobreza e a exclusão social não são inevitáveis, se forem enfrentadas com o empenho de todos, e se forem criadas condições capazes de oferecer soluções para erradicar a desfavorável situação social e económica dos ciganos. Um passo importante é a luta contra a discriminação no acesso ao emprego e à habitação.
4 – Os verdadeiros protagonistas da integração social e cultural dos ciganos são eles próprios. A escolarização dos jovens é o primeiro meio de promoção e integração. É indispensável favorecer uma escolarização de qualidade dos ciganos menores, pelo menos até completarem a escolaridade obrigatória, assim como apoiar a formação profissional e os estudos superiores e universitários dos jovens.
5 – A missão dos operadores pastorais entre os ciganos não se limita somente ao seu cuidado espiritual e ao apoio social, exige, também, um esforço de formação e sensibilização, dos membros da Igreja e da sociedade naquilo que se refere a opiniões e preconceitos sobre esta população. Tal esforço deve ser orientado, sobretudo, para aqueles que exercem influência sobre outros, em particular os meios de comunicação social.
6 – A Igreja tem um papel importante na promoção, apoio e defesa dos direitos dos indivíduos e dos grupos ciganos perante as diversas instituições locais, nacionais e internacionais. Do mesmo modo, a Igreja é chamada a empenhar-se em sanar a chaga do anticiganismo amplamente difundido na sociedade, com manifestações muitas vezes violentas e dramáticas.
7 – A presença evangelizadora da Igreja entre os Ciganos leva a constatar que estes, em geral, são muito religiosos e que a fé faz parte da sua vida e da sua cultura. Muitas vezes esses expressam as suas crenças e percursos religiosos com os valores que lhes são próprios, como por exemplo, no campo familiar e na relação com os idosos. A importância e o valor da família torna-se, particularmente evidente, no forte apoio recíproco e na solidariedade dos seus membros em casos de doença, preocupações ou luto.
8 – A celebração da fé, no seio da comunidade cigana, deve ser promovida segundo a sua sensibilidade e cultura, daí a importância de promover um conhecimento dos seus ritos, tradições e cultura, assim como, procurar na nossa fé o que pode ir ao encontro da sua sensibilidade religiosa. A valorização da cultura cigana, como por exemplo, a música, ajudará a promover o sentido de pertença. Também é importante promover o encontro ecuménico com as Igrejas que trabalham no seio da comunidade cigana.
9 – O testemunho, vivido como presença, participação e solidariedade, é um factor importante de pastoral, assim como é o ir ao encontro dos ciganos à luz do Evangelho, superando preconceitos, medos e percepções estereotipadas, mitos e justificações: a pessoa não é boa por natureza ou estatuto, da mesma forma que não é má por nascimento ou por pertencer a determinada etnia.
10 - O acolhimento nas comunidades paroquiais deve ser feito por pessoas devidamente preparadas. A Igreja tem o dever de investir nos ministérios de hospitalidade, nomeadamente a favor dos Ciganos. Um caminho sugerido é a realização, nas paróquias, de um ministério, não ordenado, de hospitalidade e acolhimento. O acolhimento oferecido pela Igreja deve estar integrado na acção pastoral, bem ponderada e autêntica, comunicada com calor e afecto. A pessoa ou a família cigana deve perceber a atitude de acolhimento, de respeito e amizade, que lhe é oferecida.
11 - As relações de amizade interpessoais promovem a confiança mútua. Trata-se de relações baseadas no respeito recíproco, no conhecimento pessoal, no acolhimento e no reconhecimento das diferenças de identidade. Neste âmbito, é oportuno difundir e promover o conhecimento da figura e das virtudes do beato cigano Zeferino Giménez Malla, apresentando-o como modelo de santidade, conquistada através da doação da própria vida para defender o seu amigo e a sua devoção ao rosário.
12 – Torna-se um imperativo para os cristãos começar a olhar o mundo dos ciganos com amor, conscientes de que até agora não se tem sido suficientemente capazes de fazê-lo, do mesmo modo que, à luz do Evangelho, são chamados a interiorizar e a recordar que os Ciganos são irmãos e irmãs em Cristo e que a persistente segregação que estes sofrem, é sofrida pelo próprio Cristo.
13 – O trabalho dos “Mediadores Ciganos”, nas escolas, autarquias, hospitais…, é indispensável para a inclusão dos ciganos, para que possam aceder aos direitos que a sociedade lhes oferece e para os ajudar a cumprir os deveres que têm para com a sociedade. É importante que se promova a presença dos mediadores em todos os campos da sociedade como também nos serviços prestados pela Igreja.
14 - Encorajamos os esforços para alargar, o mais possível, o trabalho de rede sobre o território a favor dos ciganos, envolvendo as autarquias e entidades locais, as instituições, as escolas, as comunidades cristãs, as associações, o voluntariado... Todos são chamados a desenvolver as suas competências e responsabilidades, não de modo isolado, mas valorizando, o mais possível, as sinergias que nascem da colaboração, das ideias, da criatividade e, sobretudo, da boa vontade.
15 – O Encontro de 2011 será acolhido pelo Secretariado da Diocese de Portalegre-Castelo Branco, e realizar-se-á de 18 a 20 de Novembro.
Beja, 21 de Novembro de 2010
domingo, 21 de novembro de 2010
Notícias do Projecto
Na acção "Workshops", estivemos esta semana na Pampilhosa da Serra. Ressaltaram os problemas associados à pobreza da população idosa e do interior, nomeadamente, a solidão, a desertificação e as distâncias, distâncias que contam muito sobretudo na saúde.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Toxicodependentes em tratamento aumentam em Portugal
A canábis é a droga mais consumida em Portugal, ao passo que o consumo de heroína é o mais problemático.
Paralelamente, houve uma diminuição do consumo de substâncias ilícitas, sobretudo nos jovens, e uma diminuição do número de casos de infecção por VIH entre os toxicodependentes. O número de pessoas em tratamento aumentou. Os dados são do 15º relatório anual sobre a evolução do fenómeno da droga na Europa, da responsabilidade do Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência (OEDT), apresentado hoje em Lisboa.
O mesmo documento refere que os toxicodependentes portugueses são os mais velhos da Europa. “Portugal reporta a percentagem mais elevada (28%) de consumidores de droga mais idosos em início de tratamento”. A droga deixou de ser um “fenómeno juvenil”, o que representa um novo desafio pois os serviços de tratamento estão concebidos para consumidores de droga mais jovens.
“Parte-se geralmente do princípio de que as pessoas deixam de consumir droga depois dos trinta anos mas os dados dos centros de tratamento da toxicodependência europeus mostram que nem sempre é assim. Os serviços são cada vez mais chamados a suprir as necessidades de utentes mais idosos, cuja saúde sofre os efeitos combinados do consumo prolongado de droga e do envelhecimento”, explica o director da OEDT, Wolfgang Götz.
João Goulão, presidente do Conselho de Administração do OEDT e responsável pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), admitiu a existência de um corte de 4% no orçamento para 2011 deste organismo, que combate o flagelo da droga em Portugal. Para o responsável, estes corte não é “dramático” mas, admite, exige uma adaptação da rede para dar uma resposta mais atempada e adaptada às necessidades das populações. Essa redução vai-se reflectir, para já, no despedimento de cerca de 200 trabalhadores precários do IDT. Por fim, acrescentou que “cortes cegos” podem comprometer o trabalho desenvolvido e os progressos alcançados.
A nível europeu os dados são mais preocupantes. O director da OEDT, Wolfgang Götz, salienta, com preocupação, que o número de mortes associadas ao consumo de cocaína na Europa aumentou. As estimativas apontam para a ocorrência de cerca 1000 óbitos, por ano. A cocaína é a segunda substância mais consumida, com cerca de 4 milhões de consumidores espalhados por toda a Europa. A primeira é a canábis, cujo número de consumidores ascende aos 23 milhões. O consumo de cocaína deixou de ser um exclusivo de celebridades ou pessoas de sucesso, espalhando-se até às classes mais marginalizadas.
A qualidade do tratamento melhorou bastante desde a década de 1990. O OEDT estima que, em cada ano, haja na União Europeia pelo menos um milhão de consumidores de droga a receber alguma forma de tratamento.
“Num momento em que a Europa está a entrar num período de austeridade económica, com níveis crescentes de desemprego entre os jovens, receia-se que esta situação se possa fazer acompanhar de um aumento das formas problemáticas de consumo de droga”, alerta o estudo.
Ana Carvalho Vacas/Correio da Manhã – 11.11.2010
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
"O maior perigo do terceiro milénio"
Então com 59 anos, Nathan gozava de boa saúde, embora fosse um tanto corpulento. Era uma fonte de energia, incansável na sua devoção ao trabalho e de temperamento inflexível. Quando saiu de Londres, porém, estava com uma inflamação na região lombar. (Um médico alemão diagnosticou-lhe um furúnculo, mas pode ter sido um abcesso.) Apesar do tratamento, a pústula infectou e tornou-se bastante dolorosa. Não fez diferença alguma: Nathan levantou-se do leito de enfermo e compareceu ao casamento. Tivesse ele ficado na cama, e os esponsais ter-se-iam celebrado no hotel. Apesar de todo o sofrimento, Nathan continuou a tratar dos negócios, ditando instruções à mulher. Nesse espaço de tempo, o grande Dr. Travers foi chamado de Londres e, quando concluiu que não podia solucionar o problema, convocou-se um eminente cirurgião alemão, presumivelmente para abrir e limpar a ferida. De nada adiantou: o veneno espalhou-se e Nathan faleceu a 28 de Julho de 1836. Dizem que um pombo-correio de Rothschild levou a mensagem de volta a Londres: II est mort.
Nathan Rothschild morreu provavelmente de uma septicemia causada por estafilococo ou estreptococo — a que se costumava dar o nome de envenenamento do sangue. Na ausência de informação mais detalhada, é difícil dizer se a causa da morte teria sido o furúnculo (abcesso) ou uma contaminação secundária proveniente dos instrumentos cirúrgicos. Isto aconteceu antes de aparecer a teoria microbiana e, por conseguinte, antes de qualquer noção da importância da higiene e da limpeza. Não havia então qualquer bactericida, muito menos antibióticos. E assim morreu o homem que podia comprar fosse o que fosse, vítima de uma infecção banal, facilmente curável hoje em dia para quem tiver condições de procurar um médico, um hospital ou até mesmo um farmacêutico.
A medicina registou enormes avanços desde o tempo de Nathan Rothschild. Mas medicamentos melhores e mais eficazes — o tratamento de doenças e a recuperação de ferimentos — são apenas parte da história. O aumento considerável da expectativa de vida nos dias de hoje deve-se mais às conquistas na área preventiva e à disseminação dos hábitos de higiene do que a melhores remédios. Água limpa e rápida remoção de lixo, aliadas a mais asseio pessoal, marcaram a diferença. Durante muito tempo, o grande assassino foi a infecção gastrointestinal, transmitida dos dejectos às mãos, destas aos alimentos e ao aparelho digestivo; e esse inimigo invisível, mas letal, omnipresente, era reforçado de tempos a tempos por micróbios epidêmicos, como o vibrião da cólera. O melhor meio de transmissão era a latrina comum, onde o contacto com dejectos era favorecido pela inexistência de papel higiénico e a falta de roupas interiores laváveis. Quem vive com roupas de lã sem serem lavadas — e as lãs não são boas de lavar — sentirá uma vontade natural de se coçar. Por isso, as mãos estavam sempre sujas e o maior erro era não as lavar antes de comer. Esse era o motivo por que os grupos religiosos que aconselhavam tal hábito — judeus, muçulmanos — tinham uma taxa reduzida de doenças e de mortalidade, o que nem sempre lhes era vantajoso. As pessoas eram facilmente persuadidas de que, se morriam menos judeus, era por terem envenenado os poços dos cristãos.
A resposta a esta questão foi encontrada, não na mudança da crença ou doutrina religiosa, mas na inovação industrial. O principal produto da nova tecnologia que conhecemos como a revolução industrial foi o algodão barato e lavável; e, paralelamente, a produção em massa de sabão feito de óleos vegetais. Pela primeira vez, o homem comum podia dar-se ao luxo de adquirir roupa interior, outrora conhecida como «roupa branca», porque era feita de linho, o tecido lavável que as pessoas abastadas usavam junto à pele. O indivíduo podia lavar-se com sabão, embora o hábito de tomar banho em excesso fosse visto como um sinal de menos asseio. Por que razão as pessoas limpas haviam de se lavar com tanta frequência? Não interessa. A higiene pessoal mudou tão drasticamente que as pessoas comuns, dos finais do século XIX e início do século XX, viviam em geral com maior asseio do que os reis e rainhas de há um século.
A terceira razão para o declínio da doença e da morte foi a melhor nutrição. Isso ficou a dever-se muito ao crescimento da oferta de alimentos e mais ainda à maior rapidez e eficiência nos transportes. As grandes fomes colectivas, que em geral resultavam de uma escassez local, tornaram-se mais raras; a dieta ficou mais variada e mais rica em proteína animal. Essas mudanças traduziram-se, entre outras coisas, em estaturas humanas mais altas e robustas. Este processo foi muito mais lento do que o desenvolvimento das condições médicas e higiénicas que foram instituídas de cima para baixo, principalmente porque dependeu de hábitos e gostos, tal como dos rendimentos. Numa época relativamente próxima, como a da primeira guerra mundial, os turcos que lutavam contra a força expedicionária britânica em Galipoli ficaram impressionados com a diferença de estatura entre os soldados da Austrália e da Nova Zelândia, alimentados com bifes e lombo de carneiro, e os jovens franzinos das cidades industriais britânicas. E quem acompanhar as populações imigrantes de países pobres para países ricos observará que os filhos são mais altos e mais bem estruturados que os seus pais.
A partir desses benefícios, a expectativa de vida disparou, ao mesmo tempo que se estreitaram as diferenças entre ricos e pobres. As principais causas de morte adulta já não eram mais as infecções, especialmente a infecção gastrointestinal. Mas sim as debilitantes enfermidades da velhice. Essas conquistas foram maiores nas nações industriais ricas, com assistência médica para todos, mas até mesmo alguns países mais pobres beneficiaram de resultados impressionantes.
Os progressos na medicina e na higiene exemplificam um fenómeno muito mais vasto: as vantagens decorrentes da aplicação do conhecimento e da ciência à tecnologia. O que nos ajuda a ter esperança quanto aos problemas que ensombram o presente e o futuro. Encorajam-nos até a alimentar fantasias de vida eterna ou, melhor ainda, de juventude eterna.
Essas fantasias, portanto, quando baseadas na ciência, ou seja, na realidade, constituem o sonho dos ricos e afortunados. Os benefícios do saber e do conhecimento não foram equitativamente distribuídos, nem mesmo nas nações ricas. Vivemos num mundo de desigualdade e diversidade. Mundo esse que está dividido, grosso modo, em três espécies de nações: aquelas em que as pessoas gastam rios de dinheiro para não aumentar de peso, aquelas em que as pessoas comem para viver e aquelas cuja população não sabe de onde virá a próxima refeição. Essas diferenças são acompanhadas de acentuados contrastes nas taxas de doença e expectativa de vida. As pessoas das nações ricas preocupam-se com a velhice, que cada vez se prolonga mais. Fazem exercícios para manter a forma, controlam o colesterol, ocupam o seu tempo com a televisão, o telefone e os jogos e consolam-se com eufemismos do género «os anos dourados» e a «terceira idade». Ser «jovem» é bom, ser «velho» é degradante e problemático. Enquanto isso, as pessoas de países pobres tentam manter-se vivas — não precisam de se preocupar com o colesterol nem com o entupimento das artérias, em parte pela dieta frugal, em parte por morrerem cedo. Procuram assegurar uma velhice tranquila, se lá chegarem, por meio de montes de filhos, que crescerão com um desejável sentimento de obrigação filial.
A antiga divisão do mundo em dois blocos de poder, Leste e Oeste, já não existe. Hoje, o grande desafio e ameaça é o abismo em matéria de riqueza e saúde que separa ricos e pobres. Esse abismo é frequentemente descrito em termos de Norte e Sul, porque a divisão é geográfica; embora uma indicação mais correcta fosse a de o Ocidente e o Resto, porque a divisão também é histórica. Esse é o maior problema e o maior perigo com que se defronta o mundo do terceiro milénio.
David Landes
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
O Consumismo em Diferentes Culturas
Cultura não são simplesmente as artes, ou valores, ou sistemas de crença. Não é uma instituição distinta funcionando ao lado de sistemas económicos ou políticos. Ao contrário, são todos esses elementos – valores, crenças, costumes, tradições, símbolos, normas e instituições – combinados para criar as matrizes abrangentes que forjam o modo como os homens percebem a realidade. Em função de existirem sistemas culturais distintos, uma pessoa pode interpretar um acto como insultante e outra pode considerá-lo amável – como por exemplo, fazer um sinal com o “polegar para cima” é um gesto extremamente vulgar em certas culturas. A cultura leva algumas pessoas a crer que os papéis sociais são designados pelo nascimento, determina onde os olhos da pessoa devem focar ao conversar com outra, e até mesmo dita que formas de relacionamentos sexuais (como monogamia, poliandria, ou poligamia) são aceitáveis.
As culturas, como sistemas mais amplos, são provenientes de interacções complexas entre muitos elementos diferentes de comportamentos sociais e guiam os homens em um nível quase invisível. Elas são, nas palavras dos antropólogos Robert Welsch e Luis Vivanco, a soma de todos os “processos sociais que fazem com que aquilo que é artificial (ou construído pelos homens) pareça natural”. São esses processos sociais – a interacção directa com outras pessoas e com artefactos ou “coisas” culturais, a exposição nos mass media, leis, religiões e sistemas económicos – que constroem as realidades dos povos. A maioria daquilo que dá a impressão de ser “natural” para as pessoas é, na realidade, cultural. Considere hábitos alimentares, por exemplo. Todos os seres humanos comem, mas o que, como e mesmo quando eles comem é determinado por sistemas culturais. Poucos europeus comeriam insectos porque essas criaturas lhes são intrinsecamente repugnantes devido ao condicionamento cultural, embora muitos deles comam camarão ou caracol. E, no entanto, em outras culturas insectos são uma parte importante da culinária e, em alguns casos, como a larva de sago para o povo Korowai da Nova Guiné, são iguarias. Em última instância, embora o comportamento humano esteja enraizado na evolução e fisiologia, ele é guiado primordialmente pelos sistemas culturais em que as pessoas nascem. Tal como ocorre com todos os sistemas, há paradigmas dominantes que guiam as culturas – ideias e pressupostos em comum que, através das gerações, são construídos e reforçados pelos principais agentes e instituições culturais e pelos próprios participantes das culturas. Hoje, o paradigma cultural dominante em muitas partes do mundo e que atravessa muitas culturas é o consumismo. O economista britânico Paul Ekins descreve o consumismo como uma orientação cultural em que “a posse e uso de um número e de uma variedade crescente de bens e serviços são a principal aspiração cultural e o caminho tido como de maior certeza rumo à felicidade pessoal, status social e sucesso nacional”. Simplificando: o consumismo é um padrão cultural que faz com que as pessoas encontrem significado, satisfação e reconhecimento principalmente através do consumo de bens e serviços. Embora isso assuma formas diversas em diferentes culturas, o consumismo leva as pessoas de qualquer lugar a associar níveis elevados de consumo a bem-estar e sucesso. Ironicamente, no entanto, a pesquisa mostra que consumir mais não significa necessariamente uma melhor qualidade de vida individual. O consumismo está hoje infiltrado de modo tão absoluto nas culturas humanas que, por vezes, fica até difícil reconhecê-lo como uma construção cultural. Ele dá a impressão de ser simplesmente natural. Mas, de fato, os elementos culturais – linguagem e símbolos, normas e tradições, valores e instituições – foram profundamente transformados pelo consumismo em sociedades do mundo todo. De facto, “consumidor” hoje em dia é com frequência usado como sinónimo de pessoa nos 10 idiomas mais usados no mundo, e seria plausível pensar em um número bem maior. Considere os símbolos – aquilo que a antropóloga Leslie White descreveu como “a origem e base do comportamento humano”. Hoje, na maioria dos países, as pessoas estão expostas a centenas, talvez milhares, de símbolos todos os dias. Logótipos, jingles, slogans, porta-vozes, mascotes – todos esses símbolos de marcas diferentes bombardeiam as pessoas rotineiramente, influenciando o comportamento até em níveis inconscientes. Hoje, esses símbolos de consumo são reconhecidos com maior facilidade do que espécies de animais selvagens comuns, canto de pássaros, sons emitidos pelos animais, ou outros elementos da natureza. Um estudo de 2002 constatou que crianças britânicas conseguiam identificar mais personagens de Pokémon (uma marca de brinquedo) do que espécies de animais selvagens. E os logótipos são reconhecidos por crianças de apenas dois anos de idade. Uma pesquisa com crianças de dois anos concluiu que, embora não fossem capazes de distinguir a letra M, muitas conseguiam identificar os arcos dourados que moldam o M do McDonald’s. As normas culturais – como as pessoas usam o tempo de lazer, a frequência com que actualizam o guarda-roupa e mesmo a forma de educar os filhos – estão hoje cada vez mais voltadas à compra de bens e serviços. Uma norma de particular interesse são os hábitos alimentares. Ao que parece, agora é natural ingerir alimentos superadoçados e altamente industrializados. Desde muito cedo, as crianças são expostas a bolos, cereais açucarados e outros alimentos não saudáveis, mas altamente lucrativos e veiculados por publicidade ostensiva – uma mudança que vem tendo um impacto tremendo sobre as taxas mundiais de obesidade. Hoje, vendedores ambulantes de fast food e máquinas que vendem refrigerante podem ser encontrados em escolas, forjando as normas alimentares das crianças desde bem pequenas e, sucessivamente, reforçando e perpetuando essas normas em todas as sociedades. De acordo com um estudo feito pelos Centros para Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, perto de dois terços das áreas administrativas contendo escolas públicas nos EUA recebem uma percentagem da receita das máquinas de venda automática, e um terço recebe recompensas de empresas de refrigerantes quando uma determinada quantidade de seu produto é vendida. As tradições – o aspecto mais ritualístico e mais profundamente enraizado das culturas – são hoje também forjadas pelo consumismo. De cerimónias de casamento que custam em média US$ 22.000 nos Estados Unidos a normas para funerais que pressionam aqueles que choram os entes queridos a comprar caixões e lápides elaborados, além de outros itens simbólicos caros, o consumismo está profundamente entranhado no modo como as pessoas observam os rituais. Optar por uma celebração de ritual simples pode ser uma escolha difícil de fazer, seja por causa de regras, pressão familiar, ou por influência da publicidade. O Natal demonstra bem esse ponto. Enquanto para os cristãos esse dia marca o nascimento de Jesus, para muita gente o feriado é dedicado ao Pai Natal, a ganhar presentes e banquetes. Uma pesquisa realizada em 2008 referente a gastos no Natal em 18 países constatou que se gastaram centenas de dólares/pessoa em presentes, e outro tanto em eventos sociais e comida. Na Irlanda, no Reino Unido e nos Estados Unidos – os três com maior gasto – as pessoas despenderam em média US$ 942, US$ 721 e US$ 581 em presentes, respectivamente. Um número cada vez maior de não cristãos comemora o Natal como uma ocasião para troca de presentes. No Japão, o Natal é um feriado importante, embora apenas 2% da população seja cristã. Como observado em tom espirituoso pelo reverendo Billy, da Igreja Pare de Comprar, em um chamado para educar o consumidor: “Acreditamos ser consumidores na época do Natal. Não! Estamos sendo consumidos na época do Natal”. O consumismo também está afectando os valores das pessoas. A crença de que mais riqueza e mais posses materiais são essenciais para se chegar a uma vida boa aumentou de modo surpreendente em muitos países nas últimas décadas. Uma pesquisa anual com alunos de primeiro ano de faculdades nos Estados Unidos investigou durante mais de 35 anos as prioridades de vida dos alunos. No transcorrer desse tempo, a importância atribuída a ter boa situação financeira aumentou, enquanto a importância atribuída à construção de uma filosofia de vida plena de sentido diminuiu. E este não é um fenómeno apenas americano. Um estudo conduzido pelos psicólogos Güliz Ger e Russell Belk constatou níveis altos de materialismo em dois terços dos 12 países pesquisados, inclusive em diversas economias em transição.
Embora hoje encontremos consumismo em praticamente todas as culturas, esse fenómeno não está isento de consequências. Neste planeta finito, definir sucesso e felicidade através de quanto uma pessoa consome não é sustentável. Além disso, está mais do que claro que essa orientação cultural não apareceu simplesmente por acaso, como um subproduto do crescimento da renda; ela foi engendrada ao longo de muitos séculos. Actualmente, como o consumismo foi internalizado por muitas sociedades, ele está de alguma maneira se auto perpetuando, embora algumas instituições da sociedade – incluindo empresas, media, governos e estabelecimentos educacionais – continuem a sustentar essa orientação cultural. Essas instituições estão também a trabalhar activamente para expandir mercados mundiais para novos bens e serviços de consumo. Entender o papel desses estímulos institucionais será essencial para que se cultivem novas culturas de sustentabilidade.
Erik Assadourian, in Relatório do Estado do Mundo 2010
A romena que não sabemos se o é
Quem és?, Donde és?, De que afectos ou desafectos vives?, Porque pedes, para que pedes ou para quem pedes? Tanto irmão e nenhum sabe de ti.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Verde Pino em Arganil e Alvaiázere
De 2 a 8 de Novembro, em simultâneo portanto com Arganil, está também patente na Biblioteca Municipal de Alvaiázere. Dado o interesse manifestado por diversas entidades, nomeadamente autarquias e escolas, a Exposição (constituída por 10 roll-up 200mm x 80mm), com fotografias de alunos dos diversos centros de ATL da Cáritas, foi reproduzida em duplicado, permitindo atingir um público mais vasto.
Em Arganil tivemos ontem também um workshop "Pobreza e Desempobrecimento", modalidade SIP, com 22 presenças.
domingo, 31 de outubro de 2010
Pobreza extrema
O Banco Mundial situou a pobreza extrema num rendimento abaixo de 1,25 dólares dia, ainda menos que 1 euro por dia. São milhões de pessoas a viverem assim. O pior, é que a falar verdade nem um dólar é de facto, mas sim aquilo a que se chama "dólar paridade de poder de compra", isto é, essas pessoas, nos seus países e com o dinheiro dos seus países podem comprar por dia (casa, alimentação, vestuário, transportes, alfaias, ... tudo o que é preciso para viver)aquilo que comprariam nos Estados Unidos com um dólar... No caso, com um dólar e vinte e cinco cêntimos. Ou, dizendo de outro modo, para uma pessoa que viva em Portugal a pobreza extrema é viver com menos de um euro por dia, para fazer face a todas as despesas da existência, e sem apoio do Estado na saúde, educação, etc...
Testemunho
Não sei explicar muito bem porque motivo entrei no mundo das drogas mas eu praticamente fui criado com a minha mãe, ela separou-se muito cedo. Embora trabalhasse, não tínhamos muitas possibilidades económicas e acabei por sair da escola bastante cedo para ir trabalhar.
Hoje vivo numa casa abandonada. Embora tenha constituído família, tenho 2 filhos, as coisas também não correram muito bem. A minha esposa sabia que consumia, mas quando fui preso pela segunda vez, ela quis acabar tudo.
Continuo a visitar os meus filhos e a manter contacto, mas vivo a minha vida na rua.
Vivo em más condições, pois não há o mínimo de conforto, não há água, não há luz, … o que me custa mais é passar o inverno porque passo algum frio.
Quando sou chamado para uma oferta de emprego, acabo por ser excluído porque não tenho a escolaridade obrigatória, tenho a penas o 6.º ano incompleto.
Neste momento o que mais gostaria, era ter uma casa própria e gostava de deixar totalmente as drogas. Se conseguir vir a ter uma casa tenho a certeza que a minha vida irá mudar!
R, 43 anos (Agosto 2010)
domingo, 24 de outubro de 2010
"Penso que os que fazem o pão deviam comer"
O POVO
Lembro-me daquele homem e não se passaram
mais do que dois séculos desde que o vi,
não andou de cavalo nem de carroça:
descalço
anulou
as distâncias
e não levava espada nem armadura,
apenas redes ao ombro,
machado ou martelo ou pá,
e nunca espancou o seu semelhante:
a sua luta foi contra a água ou a terra,
contra o trigo para que houvesse pão,
contra a árvore gigante para que desse lenha,
contra os muros para abrir as portas,
contra a areia construindo muros
e contra o mar para o fazer parir.
Conheci-o e não se me apaga da memória.
Caíram em bocados as carroças,
a guerra destruiu portas e paredes,
a cidade tornou-se num punhado de cinzas,
transformaram-se em pó todas as roupas,
mas para mim ele subsiste ainda,
sobrevive na areia,
quando antes parecia ser ele
o menos recordado.
No suceder de gerações e gerações
foi por vezes meu pai ou meu parente
ou apenas, sendo ele ou não,
aquele que não voltou à sua casa
porque a água ou a terra o engoliram
ou uma máquina ou uma árvore o deceparam
ou foi aquele enlutado carpinteiro
que ia atrás do caixão, sem lágrimas,
ou alguém que não tinha nome,
que se chamava metal ou madeira,
para quem os outros olharam com indiferença
vendo o formigueiro
sem olharem para a formiga
e quando os seus pés não se mexeram,
pois o pobre de tão cansado tinha morrido,
não viram nunca que o não viam:
outros pés havia já nos lugares onde estivera.
Os outros pés eram dele próprio,
as outras mãos também,
o homem renovava-se:
quando parecia já ultrapassado
era novamente ele,
ali estava outra vez cavando a terra,
cortando pano, mas sem camisa,
ali estava e não estava, como dantes,
tinha partido e estava de novo ali,
e como nunca teve cemitério,
nem campa, nem o seu nome foi gravado
sobre a pedra que britou suando,
ninguém sabia jamais quando chegava
nem soube nunca quando estava morrendo,
de tal maneira que só quando o pobre pôde
ressuscitou outra vez sem ser notado.
Era o homem certamente, sem herança,
sem vaca, sem bandeira,
e não se diferenciava dos outros,
os outros que eram ele,
visto de cima era cinzento como o subsolo,
como o couro era pardo,
colhendo trigo era amarelo,
no fundo da mina era negro,
no era cor de pedra no castelo,
barco pesqueiro era cor de atum
e cor de cavalo na planície:
como poderia alguém saber ao certo
se era o inseparável, o elemento,
terra, carvão ou mar vestido de homem?
E onde viveu crescia
tudo quanto o homem tocava:
a pedra hostil,
quebrada
pelas suas mãos,
tornava-se ordenada
e uma a uma formaram
a recta claridade do edifício,
com as suas mãos fez o pão,
pôs os comboios em movimento,
povoaram-se de aldeias as distâncias,
outros homens nasceram,
chegaram as abelhas,
e, porque o homem cria e se multiplica,
a primavera foi em direcção ao mercado
por entre padarias e pombas.
O pai dos pães foi esquecido,
ele que traçou a terra, pisando
e abrindo regos, acarretando areia,
quando tudo ficou pronto já não existia,
a sua existência ofertava-a, isso era tudo.
Foi trabalhar noutros lugares, e depois
morrer rolando lentamente
como um seixo do rio:
arrastado pelas águas levou-o a morte.
Eu, que o conheci, vi-o descer
até ser somente o que deixava:
ruas que apenas pôde conhecer,
casas que jamais habitaria.
E volto a vê-lo, e espero cada dia.
Vejo-o no seu caixão, ressuscitado.
Distingo-o entre aqueles
que são seus semelhantes
e parece-me que não pode ser,
que assim não chegamos a lado nenhum,
que dessa forma não se conquista a glória.
Eu penso que este homem
devia estar num trono, bem seguro e coroado.
Penso que os que fizeram tantas coisas
deviam ser senhores de todas as coisas.
E os que fazem o pão deviam comer!
E deviam ter luz os que trabalham nas minas!
Mas chega de tantas coisas sombrias!
Chega de pálidos desaparecidos!
Nem mais um homem que passe sem reinar.
Nem uma só mulher sem o seu diadema.
Para todas as mãos luvas de ouro.
Frutos de sol para toda a escuridão!
Eu conheci aquele homem e quando pude,
quando tive olhos para olhar
e voz para falar
procurei-o entre os campos, e disse-lhe
apertando-lhe um braço que não se desfizera ainda:
«Partirão todos, mas tu ficarás vivendo.
Tu acendeste a vida.
Tu criaste o que era teu.»
Por isso ninguém se enfade quando
pareço que estou sozinho e não estou sozinho,
quando não estou com ninguém e falo para todos:
Alguém me está escutando e não dão por isso,
mas aqueles que eu canto e conhecem a razão
esses continuarão a nascer e povoarão o mundo.
(P. Neruda)
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Notícias do Verde Pino
O Projecto está mais activo do que nunca! Esta semana estivemos no Seixo da Beira, com os párocos locais, presidentes de 4 Centros nossos parceiros, a programar worksophs para esta zona; Promovemos um workshop em Alvaiázere; recebemos documentação de alguns ateliers (ver na foto, utentes do Centro de ATL de Oliveira do Hospital 2.3 + Secundária levaram objectos feitos num atelier do Projecto aos idosos do Centro de Dia de S. Paio de Gramaços; tivemos a exposição "Retalhos de outras vidas" nas duas escolas da Lousã (EB 2.3. e Secundária); fizemos entrevistas para a "Sebenta" Pobreza e Desempobrecimento...
A Exposição "Retalhos de outras Vidas", com fotos em tela por alunos dos Centros de ATL de diversos concelhos da área do Projecto, está a motivar o interesse generalizado das pessoas e instituições, pelo que a sua impressão irá ser duplicada, para conseguirmos responder a todas as solicitações e com mais tempo de permanência.
domingo, 17 de outubro de 2010
Dia Mundial Para a Erradicação da Pobreza
É positivo que assim seja; felizmente, muitas pessoas e organizações do nosso mundo e do nosso tempo mantêm e apuram uma consciência de combate à pobreza.
Mas iniciativas pontuais estão muito longe de chegarem para um combate efectivo, se não se traduzirem em mudanças permanentes no estilo de vida. As dezenas de caminhadas contra a pobreza que hoje se fazem em Portugal e um pouco por todo o mundo ficam apenas espectáculo se não se traduzirem na grande caminhada de conversão para um estilo de vida mais sóbrio, mais solidário, menos consumista e menos elitista.
É pela causa desta conversão dos estilos de vida que o Verde Pino se fez Projecto!
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
"Retalhos de outras vidas"
Mais de uma dezena de centros de Actividades de Tempos Livres aderiram à iniciativa, tendo tido formação em fotografia e revelação e tirando as fotografias. Foram aceites fotografias em formato papel (reveladas nos Centros) e em formato digital.
As fotos seleccionadas foram depois impressas em 8 roll-up, de 2 metros de altura por 80 centímetros de largura, o que permite uma deslocação fácil da exposição de terra para terra. A exposição será feita em parceria com algumas escolas e outras estruturas locais, conforme os casos. Irá visitar até final Dezembro os concelhos de Miranda do Corvo, Lousã, Vila Nova de Poaires, Alvaiázere, Arganil, Tábua, Oliveira do Hospital, Penela, Ansião e Pampilhosa da Serra, com estadia de 1 semana em cada um destes concelhos. Depois de Dezembro poderá continuar a correr outras terras ou também equipamentos.
Hoje mesmo a Exposição teve a sua primeira apresentação pública, na sede do Agrupamento de Escolas Férrer Correira, Miranda do Corvo, no Senhor da Serra.
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Visite a Cáritas na Fun Zone Continente 360º
Na Praça da Canção, onde ocorre o evento, vão haver concertos, projecções de alguns concertos dos U2, dj's, restauração... A entrada é livre.
Se tiver um bocadinho e quiser ir ver o ambiente, não se esqueça de visitar a nossa "tenda", onde teremos todo o prazer em o/a acolher. Além de poder ver a nossa exposição, e provar os nossos petiscos, poderá ainda exercer a sua solidariedade a favor da construção de uma unidade de saúde materno-infantil no Haiti. ...porque vale a pena acreditar!
terça-feira, 28 de setembro de 2010
DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO
Estratégia "Europa 2020"
A Estratégia Europa 2020 defende um "crescimento inteligente, sustentável e inclusivo".
Inteligente, porque pretende a criação de riqueza sobretudo através do conhecimento e da inovação.
Sustentável, porque pretende um crescimento que respeite o ambiente e os recursos disponíveis (sem deixar de ser competitivo).
Inclusivo, porque pretende um crescimento com alto nível de emprego, e grande coesão social e territorial.
Esta "inclusão" quantifica um objectivo relativamente à pobreza: "retirar pelo menos 20 milhões de pessoas de situações de risco de pobreza e de exclusão".
É um critério muito objectivo, que nos permite pedir contas aos Estados-Membros em 2020. Apesar disso, parece ser um objectivo viciado na vontade política de o fazer cumprir: desde logo, deixa os indicadores de avaliação ao critério dos Estados-Membros e a luta contra a pobreza aparece em último lugar - a última prioridade! - no conjunto dos objectivos elencados em toda a Estratégia 2020.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Velhos e novos desafios
Todos envelheceremos algum dia, se tivermos esse privilégio.
Portanto, não consideremos as pessoas idosas como um grupo à parte,
mas sim como nós próprios seremos no futuro.
E reconheçamos que são pessoas individuais,
Com necessidades e capacidades particulares,
e não um grupo em que todos são iguais porque são velhos”.
Kofi Annan, 2002 [1]
O envelhecimento demográfico já não constitui novidade. É de conhecimento geral que a população está a envelhecer a um ritmo acelerado, com tendência a acentuar-se no futuro.
Apesar deste fenómeno ser, em parte, resultado dos esforços desenvolvidos pela Sociedade e pelo Estado, suscita sentimentos contraditórios: se por um lado reflecte um franco desenvolvimento do potencial humano, por outro gera inquietações.
Sendo uma realidade à escala Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem vindo a promover, no debate público, abordagens positivas sobre o envelhecimento da população. O relatório do Conselho Económico e Social da ONU para o comité preparatório para a II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento (Madrid, 2002) chama a atenção para as mudanças sociais, culturais e tecnológicas em curso que implicam transformações nas estruturas de valores.
O Plano de Acção Internacional para o Envelhecimento vai mais longe e exige mudanças de atitudes, políticas e práticas a todos os níveis e em todos os sectores, para que se possam concretizar as enormes possibilidades que oferece o Envelhecimento no século XXI. O primado “Uma Sociedade para Todas as Idades” remete para alterações profundas na Sociedade e pressupõe que esta ajuste o seu funcionamento e estruturas, bem como as suas Estratégias e Planos.
Esta tentativa de mobilizar todos para uma construção positiva do Envelhecimento é consequente da desvalorização social das pessoas idosas, encaradas muitas vezes como um “peso”.
Erros de perspectiva. Envelhecer é uma oportunidade de vida.
Nos últimos anos, Portugal tem vindo a efectuar um esforço no sentido de reforçar o sistema de protecção social nacional [2], com especial atenção a este desafio demográfico e às desigualdades socioeconómicas vividas por este grupo populacional.
Tal como no contexto europeu, a população idosa portuguesa é um dos grupos mais vulneráveis à pobreza e exclusão social, sobretudo pelos riscos a que está sujeita: económicos (escassos rendimentos e limitações no acesso a bens e serviços), culturais (baixos, ou nenhuns, níveis de escolaridade), sociais (isolamento/solidão, difícil acesso a cuidados familiares, de saúde e a apoio social), ambientais (condições habitacionais precárias), entre outros.
No combate à desigualdade de rendimentos, o Complemento Solidário para Idosos estabelece um marco, não só no diminuir das assimetrias mas também na promoção da solidariedade familiar.
A pobreza não deve ser medida apenas em termos financeiros.
As estratégias transversais e interministeriais de promoção de autonomia adoptadas nos últimos anos reflectem a adaptação das medidas e respostas aos novos riscos e realidades sociais e assentam na adequação às exigências e expectativas do cidadão mais velho. Exemplos disso são a revisão dos montantes das prestações sociais através da diferenciação positiva; o desenvolvimento de medidas que respondam ao desafio da funcionalidade, é caso disto a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados; a renovação dos modelos de aprendizagem qualificada ao longo da vida e o combate ao desemprego dos trabalhadores mais velhos (Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida); a promoção do diálogo entre as gerações e da solidariedade intergeracional (Bancos Locais de Voluntariado); o alargamento da rede de equipamentos e serviços de apoio (Programa de Alargamento das Respostas Sociais) e a sua qualificação, através do Programa de Cooperação para o Desenvolvimento da Qualidade e Segurança das Respostas Sociais, sem esquecer a qualificação do próprio ambiente em que vivem (Programa Conforto Habitacional para Pessoas Idosas).
Mas o combate à pobreza passa também pelo reconhecimento do contributo das pessoas idosas para a gestão quotidiana de pessoas e famílias, numa perspectiva de desenvolvimento económico, social e humano. As pessoas mais velhas de hoje são cada vez mais participativas e activas, desempenham um papel fundamental na vida familiar e comunitária, seja através do trabalho voluntário, transmitindo experiência e conhecimento, seja ao cuidar das suas famílias, organizando as tarefas domésticas e cuidando dos netos, entre outros.
Pobreza é não reconhecer o contributo económico e social das pessoas idosas.
A realização do Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social é também uma oportunidade para sensibilizar a opinião pública para estes temas. Envelhecer bem e de forma activa é, cada vez mais, uma questão de direito. Nunca esquecendo que a promoção da igualdade fomenta o exercício pleno de cidadania.
Pobreza é ficar indiferente!
Departamento de Desenvolvimento Social do ISS, I.P.
in e-Newsletter 2010 AECPES (N.º 08, Setembro de 2010)
[1] Discurso da Cerimónia de Abertura da II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento
[2] Visão Global Integrada da Estratégia Nacional para a Protecção Social e Inclusão Social 2008/2010
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Olhar os pobres
Se queres ajudar-me, aprende a olhar-me...
Quando me olhares com os teus olhos, não fiques nas minhas aparências: roupas coçadas, cabelos desalinhados, calçado roto, corpo magro, olhar distante...
Se queres ajudar-me põe-te no lugar de Jesus e olha-me como Ele me olha desde o céu. Aproxima-te com respeito da minha pessoa... Ajuda-me, não me condenes. Ao tocares em mim estás a tocar num mistério. Olha para este mistério que eu sou e faz perguntas a ti próprio: Porque estou assim? Porque sou um ser humano de fracos recursos económicos? O que é que está a falhar em mim, em ti e na sociedade em geral? Porque é que tantos têm tantas oportunidades e eu tão poucas? Ou, porque será que eu não soube ou não pude agarrar as minhas? Será que a culpa está só do meu lado? Do mau uso da minha liberdade? Ou todos falharam um pouco
porque não fizeram a sua parte em relação ao meu problema?
Para que eu me possa encontrar acredita em mim,
ajuda-me a descobrir que eu sou mais que o que vejo em mim e à minha volta. Quando me ouvires com os teus ouvidos, não fiques só com o som das minhas as palavras, escuta-me com o teu coração como escutas Jesus. Descobre as minhas necessidades, para que eu procure o que necessito e viva como pessoa.
Se a vida me foi negada não foi porque eu quis.
Simplesmente enganei-me ou enganaram-me
ao procurar a felicidade a que fui chamado...
Quem tens na lista dos teus amigos?
Já visitaste na cadeia um teu amigo?
Chamas-lhe "meu amigo" ou simplesmente "um recluso"?
Já telefonaste ou, mais, visitaste um carenciado em sua casa, na rua ou "nos sem abrigo" no dia do seu aniversário?
Se não é por Amor e porque me amas não me olhes
não me toques, não me ajudes, não me procures.
Não sou "um coitadinho", sou teu irmão...
Se não me amas, não venhas. Prefiro a minha solidão...
(Maria de Fátima Magalhães, STJ)
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
300 idosos no Encontro Inter-Projectos!
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
ENCONTRO INTER-PROJECTOS: Mensagem aos Idosos
Mas na Europa há 80 milhões de pobres! Só em Portugal são mais de 2 milhões!
Agora, com a “crise”, talvez ainda hajam mais pobres e os pobres tenham maiores dificuldades...
Os pobres na Europa são mesmo muitos...
Para combater a pobreza é preciso o contributo de todos: dos governos, das empresas, dos cidadãos, até dos próprios pobres!
Segundo os estudos, a pobreza atinge mais as crianças e os idosos, e mais as mulheres do que os homens.
A pobreza é um atentado à dignidade humana.
Ninguém devia ser pobre!
Passe esta mensagem aos seus familiares e amigos.
Encontro inter-projectos - Idosos
Duas grandes ideias presidem a este Encontro, cujo número estimado será de 300 participantes:
* dar visibilidade aos idosos, enquanto grupo etário com maior índice de pobreza;
* passar aos idosos alguma informação mínima sobre este Ano Europeu, respeitando o seu direito a uma informação adequada.
A Cáritas, tendo auscultado os idosos dos seus equipamentos sociais, achou por bem promover este Encontro em Fátima, sobretudo porque muitos idosos manifestaram o desejo de conhecer a Igreja da Santíssima Trindade, desejo este que não puderam ainda concretizar por razões económicas e/ou de isolamento social. De algum modo, satisfazer esta aspiração é também, em si mesmo, um acto "solidariedade" concreta para com os nossos idosos e um factor de "desempobrecimento cultural".
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
...mas ainda tenho fome!
CRISTÃOS, ESCUTAI!
Eu tinha fome
e fundastes um Clube com fins humanitários, em que discutistes sobre a minha fome.
Eu vos agradeço!
Eu estava na prisão e vós fostes
para dentro de uma igreja
e rezastes pela minha libertação.
Eu vos agradeço!
Eu estava nu e examinastes
seriamente as consequências morais
da minha nudez.
Eu estava doente e caístes de joelhos
para agradecer ao Senhor
ter-vos dado saúde.
Eu estava desabrigado e anunciastes-me
os recursos do amor de Deus.
Pareceis tão piedosos e tão próximos de Deus.
Mas eu, eu continuo com fome,
Continuo sozinho, nu, doente,
prisioneiro e desabrigado.
Eu estou com frio...
poema Malawi – África
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Dos efeitos às causas
Há que reconhecer que, pelo menos a curto prazo, existe um conflito entre os interesses dos pobres e os dos não pobres (em particular, dos ricos). É este conflito que as políticas e acções contra a pobreza não reconhecem ou, reconhecendo, optam por evitar o confronto. Nestas condições, tais acções e políticas limitam-se a abordar aspectos periféricos e superficiais do problema. Atenuam os efeitos, mas não atingem as causas dos problemas.
(da Mensagem da C.N. Justiça e Paz para a Quaresma de 2010)
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Extracto de um monólogo de Wallace Shawn
Nós precisamos dos pobres. Sem os pobres para apanharem a fruta das árvores, para tratarem do excremento debaixo da terra, para darem banho aos nossos bebés no dia em que eles nascem, nós não poderíamos existir. Sem os pobres para fazerem o trabalho horrível, nós gastaríamos as nossas vidas a fazer o trabalho horrível. Se os pobres não fossem pobres, se os pobres fossem pagos da maneira que nós somos pagos, nós não nos poderíamos dar ao luxo de comprar uma maçã, uma camisa, não nos poderíamos dar ao luxo de fazer uma viagem, passar uma noite numa pousada numa cidade próxima. Mas o horror é que os pobres crescem por todo o lado, como musgo, como erva. E nós nunca podemos esquecer o tempo em que eles eram donos da terra. Nunca podemos esquecer a morte das famílias deles, aquelas juras de vingança gritadas tão alto naquelas salas cheias de sangue e tripas. E os pobres não esquecem. Alimentam-se da raiva. Comem raiva. Querem erguer-se e acabar connosco, limpar-nos da superfície da Terra o mais rápido que puderem.
E portanto, no nosso mundo congelado, no nosso mundo calado, nós temos de falar com os pobres. Falar, ouvir, clarificar, explicar. Eles querem uma mudança. E portanto nós dizemos, Sim. Mudança. Mas não uma mudança violenta. Nada de roubo, nada de revolta, nada de vingança. Em vez disso, dêem ouvidos à ideia de uma mudança gradual. Uma mudança que vos ajude, mas que não nos afecte. Moralidade. Lei. Mudança gradual. Nós explicamos isso tudo: um contrato com duas partes: nós damo-vos coisas, muitas coisas, mas em troca vocês têm de aceitar que não têm direito a simplesmente tirar aquilo que querem. Nós vamos dar-vos coisas maravilhosas. Sentem-se, esperem, não tentem agarrar. – A coisa mais importante é ter paciência, esperar. Nós vamos dar-vos muito muito mais do que vocês conseguem ganhar agora, mas há certas coisas que têm de acontecer primeiro — são estas as coisas pelas quais temos de esperar. Primeiro, temos de fazer mais e produzir mais, para que haja mais disponível para nós darmos. De outra forma, se nós vos damos mais, ficamos com menos. Quando fizermos mais e produzirmos mais, todos podemos ter mais - parte do aumento pode ir para vocês. Mas a outra coisa é, assim que haja mais, temos de garantir que a moralidade prevalece. A moralidade é a chave. O ano passado, fizemos mais e produzimos mais, mas não vos demos mais. Todo o aumento ficou para nós. Isso foi errado. Aconteceu a mesma coisa no ano anterior, e no ano antes disso. Temos de convencer toda a gente a aceitar a moralidade e, no próximo ano, dar-vos parte do aumento.
Portanto temos todos de esperar. "
(Wallace Shawn, A Febre, cit. por Jacinto Lucas Pires, col. Dar voz aos pobres para erradicar a pobreza, CNJP)
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Da noção de "Exclusão Social"
Exclusão Social: "grupos humanos que não têm acesso a bens, serviços e meios de produção (uso, controlo e propriedade) que permitem a satisfação das necessidades básicas nas dimensões económica, social, cultural e afectiva." (Domingos Caeiro).
"Entende-se por exclusão social as formas pelas quais os indivíduos podem ser afastados do pleno desenvolvimento na sociedade". (Giddens)
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Explicar a pobreza
"As explicações da pobreza podem ser agrupadas em duas categorias principais: as teorias que consideram os indivíduos pobres responsáveis pela sua própria pobreza, e as teorias que consideram a pobreza como produzida e reproduzida pelas forças estruturais da sociedade. Estas abordagens opostas são, por vezes, descritas como teoria da “culpabilização da vítima” e teoria da “culpabilização do sistema”, respectivamente. Iremos examinar brevemente cada uma das mesmas.
Existe uma longa história de atitudes que responsabilizam os pobres pela sua posição desprivilegiada. Os esforços iniciais para atender aos efeitos da pobreza, como as Casas dos Pobres do século XIX, estavam enraizados na crença de que a pobreza era o resultado de um desajustamento ou patologia dos indivíduos. Os pobres eram vistos como os incapazes – devido à falta de talento, à fraqueza física ou moral, à ausência de motivação, ou a capacidades abaixo da média – de vencer na sociedade. A posição social era tida como um reflexo do esforço ou talento da pes-soa: os que mereciam ser bem sucedidos, eram-no, enquanto os menos capazes estavam condenados a falhar. A existência de “vencedores” e de “vencidos” era vista como um facto da vida.
Tal concepção ressurgiu, a partir dos anos 70 e 80, à medida que a ênfase política colocada na actividade empresarial e a ambição individual recompensou aqueles que “obtiveram sucesso” na sociedade e responsabilizou aqueles que o não fizeram pelas circunstâncias em que se encontravam. Procuraram-se frequentemente explicações para a pobreza nos estilos de vida dos pobres, bem como nas atitudes e concepções que supostamente teriam adoptado. Oscar Lewis (1961) lançou uma das mais influentes destas teorias, argumentando que existe uma cultura da pobreza entre muitas pessoas pobres. De acordo com Lewis, a pobreza não é o resultado de inadequações individuais, mas de uma atmosfera social e cultural mais lata na qual as crianças pobres são socializadas. A cultura da pobreza é transmitida entre gerações porque os jovens desde cedo não vêem razão para aspirar a algo mais. Em vez disso, resignam-se finalisticamente a uma vida de empobrecimento.
A tese da cultura da pobreza teve um novo desenvolvimento pelo sociólogo americano Charles Murray. Os indivíduos que são pobres “sem culpa própria” – viúvos, órfãos ou incapacitados – fazem parte de uma categoria diferente daqueles que pertencem à cultura da dependência. Com este termo, Murray refere-se às pessoas pobres que dependem das provisões da segurança social em vez de entrarem no mercado de trabalho. Argumenta que o crescimento do estado-providência criou uma subcultura que mina a ambição pessoal e a capacidade de auto-ajuda. Em vez de se orientarem para o futuro e lutarem por uma vida melhor, os dependentes da segurança social contentam-se em aceitar as ajudas. O estado-providência, argumenta, corroeu o estímulo das pessoas para trabalharem (1984).
Teorias como estas parecem ecoar entre a população britânica. Os inquéritos mostram que a maioria dos britânicos consideram os pobres como responsáveis pela sua própria pobreza e desconfiam daqueles que vivem “à borla” das “ajudas do governo”. Muitos acreditam que as pessoas dependentes da segurança social poderiam encontrar trabalho se estivessem determinadas a fazê-lo. Porém, estas perspectivas não correspondem à realidade da pobreza. Cerca de um quarto daqueles que vivem na pobreza na Grã-Bretanha encontram-se a trabalhar, mas ganham muito pouco para conseguirem sair dos limites da pobreza. Dos restantes, a maioria são crianças com menos de 14 anos, adultos com 65 ou mais anos e os doentes ou incapacitados. Apesar da visão popular acerca dos níveis elevados de embustes à segurança social, menos de 1% das candidaturas envolvem pedidos fraudulentos – número muito menor do que no caso das declarações do imposto sobre o rendi-mento, onde se estima que mais de 10% dos impostos são perdidos devido à evasão ou falsas declarações.
A segunda abordagem para explicar a pobreza coloca a ênfase nos grandes processos sociais que produzem condições de pobreza difíceis de superar pelos indivíduos. De acordo com esta perspectiva, as forças estruturais de uma sociedade – factores como a classe, o género, a etnia, a posição ocupacional, a escolaridade e outros – moldam a forma como os recursos são distribuídos. Os investigadores que advogam explicações estruturais para a pobreza argumentam que a falta de ambição entre os pobres muitas vezes tomada como “cultura da dependência” é, de facto, uma consequência das suas situações condicionadas e não uma causa das mesmas. Defendem que a redução da pobreza não consiste apenas numa questão de mudança das concepções individuais, mas requer medidas políticas destinadas a distribuir de forma mais uniforme os rendimentos e os recursos pela sociedade. Abonos de família, um salário mínimo e níveis mínimos de rendimentos garantidos para as famílias são exemplos de medidas políticas que procuraram emendar as desigualdades sociais persistentes."
(A. Giddens, Sociologia)
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
cogitações de um natural do Verde Pino
"Homens bons da terra", forças vivas, igrejas, associações e autarquias, tentam atrair pessoas durante o verão: celebram as velhas romarias religiosas ou criam novas romarias laicas. Transformam ribeiras e regatos em piscinas de rara beleza ou investem em estruturas de lazer competitivas em qualquer mercado do mundo (basta lembrar a Praia das Rocas, em Castanheira de Pêra); recuperam os paladares dos avós e vencem concursos de gastronomia, ou repovoam as montanhas e os ribeiros das espécies que lhes eram próprias.
De máquina fotográfica numa mão e toalha de banho na outra, podemos perder-nos por estes recantos do Verde Pino, de Alvaiázere a Oliveira do Hospital, em dias e dias do mais puro prazer da convivência com a natureza e com as "boas gentes" destas terras.
Tudo isto é verdade. E, todavia, não conseguimos vender a nossa qualidade; e, todavia, continuamos a ser uma das zonas "economicamente mais deprimidas" de Portugal. As pessoas não se inclinam a vir até nós; e menos ainda a ficar... Pesem todas as ilusões, a potencial receita do turismo passa-nos ao lado.
O rebuliço de Agosto não nos pode enganar. Ele próprio, aliás, dá sinais de declínio... Os netos já não voltam... Há muito trabalho a fazer, por todos nós, para que a nossa grande qualidade natural (na natureza e das pessoas) se transforme em grande qualidade... de vida!
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
les gens des baraques ou les immigrants portugais en 1960
A EMIGRAÇÃO é um sinal da pobreza de facto vivida.
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Criar igualdade pela prática desportiva local
No seu testemunho, o desporto prolongou junto dos seus filhos aquilo que a escola, por exemplo, cortou: a conviência diária e amiga com os colegas da infância, a colaboração em projectos comuns, a solidariedade de todos segundo as capacidades de cada um...
No cambate local à pobreza, vale a pena aprofundar esta ideia.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Esperança e critérios de vida
A Comissão Diocesana Justiça e Paz de Coimbra publicou recentemente um texto sobre a crise actual, com o tema "Esperança e Critérios de Vida". A partir da Cáritas, entidade promotora do projecto Verde Pino, e a partir da realidade onde este Projecto se inscreve, realidade que reflecte a crise e as esperanças para a vencer, parece oportuno trazer aqui esse documento. É um texto longo. Mas as coisas profundas precisam de espaço e de tempo para serem lidas e julgadas. E este documento vale a pena ser lido e ser julgado, até a partir dos pressupostos cristãos de que parte. A pobreza não anda arredada dos problemas e das soluções aqui apontadas.
1. Vivemos dias marcados pela dúvida e pela incerteza, que afectam os indivíduos e as instituições e perturbam sobremaneira as relações sociais e económicas e as decisões políticas. Em face deste espectro, que amarga a existência e tolhe a razão, a CDJP (Comissão Diocesana Justiça e Paz) de Coimbra julga oportuna uma palavra de esperança, fundamentada na fé em Jesus de Nazaré, que centrou a sua mensagem no convertei os vossos critérios de vida (Mc 1,15), na capacidade de superar as crises, que marcaram a nossa História colectiva, e na força transformadora dos valores éticos por que pugnamos e que tantos reclamam como essenciais à vida em sociedade.
Reconhecemos que a presente situação mundial é complexa e grave, marcada por uma crise, mais estrutural do que conjuntural, e por uma globalização económica e financeira desregulada, que inverte a ordem dos valores, ao colocar os interesses económicos e a especulação acima da dignidade e dos direitos das pessoas, com efeitos perversos sobre sociedades, indivíduos e decisores políticos.
As sociedades em geral – e a ocidental em particular – vivem demasiado centradas em interesses imediatos e egoístas, com a consequente perda do sentido do bem comum e de referenciais éticos estruturantes. Parece prevalecer o comodismo de quem desiste de construir o futuro, conformando-se, como agora nos referiu Bento XVI, com uma dinâmica social que “absolutiza o presente, isolando-o do património cultural do passado e sem a intenção de delinear um futuro”. É uma cultura do efémero, permeável à publicidade manipuladora, à corrupção sob múltiplas formas, ao endividamento irresponsável.
Portugal, em concreto, é um país que soma a esta cultura um conjunto de deficiências preocupantes, entre as quais se destacam:
- situação periférica e escassos recursos naturais nem sempre aproveitados da melhor forma;
- fraco desenvolvimento económico;
- população envelhecida e acentuada queda da natalidade;
- débil vontade na procura de qualidade e excelência individual, institucional e colectiva
- com demorada aplicação da Justiça,
- com níveis preocupantes de iliteracia e insucesso na Escola,
- com falta de equidade no acesso aos cuidados de Saúde, apesar dos padrões de qualidade reconhecidos internacionalmente;
- assimetria económica (a maior da União Europeia) em que quase dois milhões de pobres contrastam com titulares de remunerações ou prémios exorbitantes, sem relação com resultados das empresas, reformas escandalosas, com curtíssimas carreiras contributivas, e outras mordomias e benefícios, fruto, em grande parte dos casos, de clientelismo político-partidário;
- problemas graves, persistentes e estruturais, ao nível do emprego e das condições de trabalho, que remetem um número preocupante de concidadãos para a exclusão.
Na génese desta situação encontram-se diversas razões, tais como:
- a inexistência de um projecto, ambicioso e inovador, para o desenvolvimento do país, que seja credível e mobilizador dos cidadãos na construção de novos paradigmas;
- a falta de lideranças credíveis empenhadas na prossecução dos princípios do Estado de Direito Social, sem submissão a conveniências eleitoralistas ou promoções pessoais;
- a existência de uma débil sociedade civil, demasiado acomodada nos seus “direitos” e reticente às mudanças;
- a incapacidade para alcançar consensos político-sociais suficientemente alargados, que possibilitem o empreendimento de reformas há muito diagnosticadas como essenciais para o desenvolvimento sustentado do país;
- o aproveitamento ineficiente dos fundos europeus e das comparticipações estatais e das oportunidades históricas que os mesmos constituíram;
- a conivência das elites financeiras que, displicentemente e escondendo a realidade, aliciaram os cidadãos com propostas de empréstimos ao consumo e nunca de poupanças,
- o desenvolvimento de uma economia paralela alimentada, por exemplo, por pequenos e grandes negócios que não pagam impostos ou pela conivência de quem não pede factura dos bens e serviços que compra,
- sintomas de uma corrupção sistémica que se estende desde os patamares mais elevados da administração até ao cidadão comum.
Acresce que a actual situação orçamental e o nível de endividamento ao estrangeiro são terreno fértil para crescente especulação financeira, o que coloca Portugal – a par com outros países – em graves dificuldades para alcançar maior credibilidade no concerto das nações e para conseguir empréstimos internacionais, a fim de fazer face ao pagamento da dívida e das despesas não cobertas pelas receitas fiscais. Basta lembrar que no Orçamento de Estado para 2010 as despesas dos juros eram já superiores a cinco mil milhões de euros.
2. A situação acima referida condicionou as medidas políticas, necessárias e urgentes, que são do conhecimento público. Reconhecemos que, num contexto de interdependência e de globalização, controlado pela especulação financeira, essas decisões se tornam cada vez mais difíceis e complexas, parecendo-nos indispensável que sejam acompanhadas de uma procura activa de consensos.
De facto, o esforço de equilíbrio das finanças públicas deve manter-se associado à correcção das grandes desigualdades na repartição da riqueza e do rendimento. Assim, é fundamental que o Estado cumpra o seu papel na regulação social, em particular no combate à pobreza e na protecção dos desempregados. Além disso, na reorganização das empresas e das instituições, do sector público e do sector privado, importa promover maior rendibilidade dos bens e serviços e melhorar o grau de eficiência e eficácia humana, económica e energética.
Por exigência do bem comum, compete ainda aos que mais ganham, podem e sabem estar à altura da solidariedade e das responsabilidades que podem e devem assumir.
Portanto, exige-se que, em todas as medidas, o direito do pobre seja sempre o primeiro a ser salvaguardado, evitando a deterioração da já difícil situação em que se encontram os mais fragilizados.
3. A CDJP deseja, neste momento de desalento e de dúvidas, trazer uma palavra de esperança, pois acredita que os portugueses, tal como têm feito ao longo da sua História, saberão superar as dificuldades e assumir os sacrifícios, fazendo valer as suas energias e potencialidades.
Em nome da esperança, somos chamados hoje a um novo esforço que impõe mudanças radicais, a nível pessoal e colectivo. O futuro está também nas nossas mãos, e isso exige a generalização de um ambiente social de comportamentos éticos, que deve assentar:
- numa forte consciência de que todos temos alguma responsabilidade na actual situação, pois, “é por demais fácil alijar sobre os outros a responsabilidade das injustiças se se não dá conta ao mesmo tempo de como se tem parte nelas e de como a conversão pessoal é algo necessário, primeiro que tudo o mais” (OA 48);
- em novos estilos de vida, que alterem hábitos consolidados de consumismo, de falta de cidadania, de degradação da Natureza, de modo a garantir um desenvolvimento sustentável e a manutenção da Terra habitável pelas gerações futuras;
- “numa justa liberdade perante os bens materiais” (FC 37), nomeadamente perante o dinheiro, um instrumento para a nossa qualidade de vida e não um deus que nos escraviza e aliena;
- na disponibilidade para acolher o outro como companheiro na construção da sociedade, sem o hostilizar ou recear como um concorrente, enriquecendo-nos mutuamente com as diversidades individuais e grupais;
- numa confiança responsável na solidariedade, cimento estruturante da coesão social, inerente a uma cidadania comprometida e interventiva;
- em formas novas de organizar a sociedade, fundadas no serviço ao bem comum, a começar pelas instituições, nacionais e internacionais, reguladoras dos mercados financeiros;
- na multiplicação de iniciativas inovadoras de quem acredita na nossa capacidade para encontrar soluções para grande parte das dificuldades que nos atingem;
- uma atenção séria para que os principais responsáveis da crise em que vivemos não sejam os primeiros beneficiários da mesma;
- na procura de um “desenvolvimento económico, social e político, autenticamente humano”, baseado no “princípio da gratuitidade como expressão de fraternidade” (CV 34).
Em nome da mesma esperança, decorrendo o Ano Europeu da Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social e vivendo o único tempo da História em que temos recursos mais do que suficientes, é imperativo combater estereótipos e preconceitos colectivos sobre a pobreza e cuidar de todos os habitantes da Terra “sem privilegiar nem excluir ninguém” (CA 31), por exigência
- da promoção da dignidade inviolável de cada pessoa,
- do destino universal dos bens, que “Deus criou para uso de todos” (GS 69) e
- da indispensável coesão social, pacificadora e geradora de uma justa equidade.
Sabemos que uma das principais causas da pobreza é o desemprego. Por isso, urge tomar medidas adequadas para que o emprego se torne, como é de facto, o factor mais decisivo na inclusão. Efectivamente, como diz Bento XVI, “a exclusão do trabalho por muito tempo ou então uma prolongada dependência da assistência pública ou privada corroem a liberdade e a criatividade da pessoa e as suas relações familiares e sociais, causando enormes sofrimentos a nível psicológico e espiritual”. E continua, recordando “a todos, sobretudo aos governantes que estão empenhados a dar um perfil renovado aos sistemas económicos e sociais do mundo, que o primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade: com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social” (CV 25).
Neste contexto, é de condenar tanto quem contrata a recibo verde, com salários indignos, ou ilegalmente, como quem recusa propostas de emprego e continua a receber apoios sociais, bem como quem permanece “de baixa” sem estar doente.
4. A Comissão está convicta de que a crise, tendo sempre uma gravosa carga negativa, é ou pode ser uma oportunidade estimuladora de um mundo diferente, até porque na sociedade portuguesa há muitas pessoas e organizações que dão um testemunho de vida nesse sentido:
- cuidam fraternalmente dos outros, sobretudo dos mais frágeis, contribuindo activamente para a construção de uma sociedade mais justa e solidária,
- partilham gratuitamente saberes e competências técnicas e profissionais em apoio de pessoas e situações mais vulneráveis,
- acreditam na nossa capacidade de inovar e empenham-se em construir alternativas, por exemplo, reestruturando empresas ou ocupando novos nichos do mercado;
- assumem o compromisso de ser agentes de uma História comum e com o seu testemunho de vida estimulam colegas e amigos,
- persistem mesmo perante fracassos ou falta de resultados imediatos, muitas vezes servindo-se das dificuldades para descobrir caminhos novos.
O trabalho que temos pela frente começa no coração de cada um e concretiza-se nos vários espaços de influência e poder de que todos dispomos. Um trabalho que exige diálogo, projectos em comum, colaboração em rede. Se foi a “rede” que gerou esta crise é em “rede” que vamos vencê-la, tendo presente a sentença evangélica de que não é possível “colocar vinho novo em odres velhos”.
As comunidades eclesiais são especialmente chamadas
- a testemunhar os valores de “um reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz” (GS 39) e a convicção de que “a «cidade do homem» não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão” (CV 6),
- a ser voz das vítimas de injustiças silenciosas e silenciadas (cf. JM 20),
- a estimular espaços de debate e de consciencialização da gravidade da situação e da necessidade de uma conversão de mentalidades e atitudes.
Saibamos, pois, ser exigentes na ética, connosco e com os outros, e ser solidários com aqueles que necessitam. Sejamos os construtores do futuro, norteados pelo sentido de justiça e de paz que o Verbo de Deus inscreveu em cada um de nós.
“Soou a hora da acção. Estão em jogo a sobrevivência de tantas crianças inocentes, o acesso a uma condição humana de tantas famílias infelizes, a paz do mundo e o futuro da civilização. Que todos os homens e todos os povos assumam as suas responsabilidades” (PP 80).
Coimbra, 17 de Junho de 2010
Abel da Conceição dos Santos Pinto
Alberto Lopes Gil
Carlos Alberto das Neves Joaquim
Carlos José Rodrigues de Paiva
João Luís Pereira Soeiro de Campos
José António Henriques dos Santos Cabral
José Dias da Silva
Maria Teresa dos Reis Pedroso de Lima Oliveira